quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Crise dos Movimentos Sociais na Década de 1990


Entre os meios acadêmicos, ultimamente, se tornou corrente a idéia da “crise dos movimentos populares”, da ascensão dos princípios individualistas em função do declínio dos valores sociais e coletivos desenvolvidos no decorrer da década de 1980. Traçando esse caminho para a sua reflexão, Maria da Glória Gohn, em Movimentos Sociais e Educação (Cortez, 1992), desenvolve em seu texto, A Crise dos Movimentos Populares nos anos 90, uma série de questionamentos acerca da real “crise” dos movimentos populares.

Em conseqüência da abertura política que se deu nos anos 80, uma “nova racionalidade” surgiu entre os movimentos populares, a noção de direitos e participação popular tomou grande proporção, resultando na consolidação desse movimento com a Constituição de 1988. Esse processo de institucionalização dos movimentos sociais, com a orientação das normas vigentes na sociedade em suas ações, ainda colocou em prática o uso de assessorias por parte dos movimentos sociais para a elaboração de suas políticas.

Nesse sentido, Maria da Glória Gohn ressalta o caráter da “cultura política existente” e suas implicações concretas nas ações dos movimentos sociais. Os “vícios, hábitos e valores seculares” contribuíram para o não desenvolvimento de um projeto claro que viabilizasse a inversão das relações sociais existentes. Considerando que os movimentos sociais são históricos e estão embutidos numa historicidade particular, a autora desenvolve a tese de que os movimentos populares estão numa “fase de refluxo” e, por serem históricos, “se transformam, agregando elementos novos, ou negando velhos, segundo a conjuntura do momento histórico”.

A crise dos movimentos populares é apresentada segundo determinantes externos, como a crise econômica e do trabalho, as políticas neoliberais, o refluxo e a institucionalização dos movimentos, etc. Mas a caracterização interna dos movimentos também é considerada pela autora do texto. Os fundamentos da crise são apresentados na origem dos próprios movimentos e a concretização da crise está embutida no desenrolar destes.

Toda a luta política dos movimentos sociais resulta numa tentativa de construção de uma identidade sócio-cultural. Essa identidade entra em contradição quando da utilização das “assessorias” por parte dos movimentos sociais. A política dos movimentos sociais surge como uma luta original e contextualizada, autêntica, enquanto que, a política para os movimentos sociais, trabalhada pelas assessorias molda um outro paradigma, diferente. Segundo a autora, “A necessidade de se implantar linhas e diretrizes, que não foram construídas no interior dos movimentos, é incompatível com o desabrochar da vontade dos grupos e movimentos sociais”.

A construção dessa tese se dá sob a análise das três tendências que influem os movimentos sociais nos tempos atuais. A participação, o igualitarismo e a organização/direção são as fontes básicas de inspiração dos movimentos sociais dos anos 70/80 e essas tendências têm papel fundamental no desenvolvimento das políticas destes ainda nos dias atuais.

A prática da “participação” se funda no princípio da participação e da construção do sujeito construtor de sua história, não sendo necessariamente partidarizada. O igualitarismo, elaborou princípios que parte de que todos os seres humanos são iguais no ponto de vista das ações, no desenrolar das mesmas e nas metas que devem atingir, sua base está na Igreja Católica, na sua ala da Teologia da Libertação. A Organização/Direção, de maior representatividade, atende à política das “assessorias”, está articulada a partidos políticos e entidades sindicais, como o PT e a CUT.

Essa última tendência de atuação política nas estruturas de poder político/estatal é o ponto onde Maria da Glória Gohn desenvolve a sua crítica à institucionalização dos movimentos sociais e a perda dos seus objetivos originais. Outro ponto crítico dessa tendência é o fato de que “os conflitos de sentido/orientação/direção têm sido resolvidos com a expulsão dos membros não enquadráveis na orientação predominante”.

Em suma, os movimentos sociais cresceram em maior ou menos grau, as lideranças populares conseguiram crescer sem se atrelar aos compromissos externos, conseguiram construir metas de atuação. Há uma orientação de uma política fundada na participação plena dos indivíduos enquanto cidadãos.

A crise dos movimentos sociais populares que é apresentada por muitos não surte muito sentido se não considerados esses pontos necessários a uma reflexão mais profunda. A originalidade dos movimentos sociais, de suas ações, frente à incorporação de outros pela estrutura social é a dinâmica que move a concretização dos movimentos e seus objetivos. A análise da conjuntura política e da estrutura de um determinado momento histórico não pode ser desconsiderada, nem relegada a segunda plano, pois os movimentos sociais não surgem do nada, têm uma construção determinada historicamente e os avanços da luta se darão havendo essa análise.

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