domingo, 27 de junho de 2010

Ilha da Flores



Um ácido e divertido retrato da mecânica da sociedade de consumo. Acompanhando a trajetória de um simples tomate, desde a plantação até ser jogado fora, o curta escancara o processo de geração de riqueza e as desigualdades que surgem no meio do caminho.

Muros, check-point: o exaustivocotidiano palestino nos territórios ocupados



Por Adriana Mabilia, diretamente da Palestina



Cerca de 700 check-points fixos ou volantes e um muro de 790 quilômetros de extensão e oito metros de altura dificultam o acesso da população palestina ao trabalho, à saúde, à diversão – à liberdade, enfim –, violando o direto de ir e vir estabelecido na Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. O isolamento exclui os palestinos da globalização e esconde do mundo os efeitos da ocupação israelense na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.

A destruição de casas e o confisco de terras não param. Em 1947, a partilha definida pela ONU destinava cerca de 56,5 % da área total para os judeus e 43,5 % para os árabes (ver a cronologia “Conflito que não tem fim”, nas páginas 18 e seguintes). Hoje, os palestinos vivem em 11% dos territórios que restaram depois da Guerra dos Seis Dias, de 1967 – estes mesmos correspondentes a apenas 22% da área total. Israel ignora tanto a Resolução 242 da ONU, de 1967, que determina a devolução dos territórios anexados, quanto o Acordo de Oslo, de 1993, que prevê a total retirada do exército israelense e o fim da construção de assentamentos judaicos em terras palestinas.

Há mais de 440 mil colonos judeus em assentamentos ilegais na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. E esse número não para de crescer. Em 2005, para abrigar os colonos judeus retirados de 1.800 casas da Faixa de Gaza, o então primeiro-ministro Ariel Sharon construiu 6.500 novas casas em terras confiscadas na Cisjordânia! Com o aval dos Estados Unidos, Israel continua a ignorar as resoluções das Nações Unidas e a desrespeitar a organização. Há dois meses, o governo israelense impediu a entrada de Richard Falk no país, um relator especial enviado à região para investigar as condições de vida dos palestinos nos territórios ocupados.

Em 2007, um relatório do Conselho Econômico e Social da ONU avaliou que as restrições impostas por Israel aos palestinos são a principal causa de pobreza e crise humanitária nos territórios ocupados. “A ocupação israelense tem graves conseqüências para as condições de vida da população palestina, privada de acesso a serviços de saúde, educação, empregos, comércio e programas sociais e religiosos”, disse Amre Nour, representante do Gabinete de Comissões Regionais da ONU. O documento revelou que pelo menos 15% de todas as terras cultiváveis da Cisjordânia, principalmente as mais férteis, foram tomadas com a construção do muro erguido por Israel sob o argumento de proteger o país de atentados. E apontou ainda que a grave situação financeira dos palestinos também se deve aos US$ 60 milhões de impostos alfandegários retidos por Israel.

O número de refugiados passa de 5 milhões (ver o artigo “Os últimos dos excluídos”, nas páginas 14 e 15). É a maior população de expatriados do mundo. De cada três refugiados do planeta, um é palestino. E Israel impede o seu retorno.

Jamila, ainda menina, fugiu com os pais durante a Guerra de 1967. A família vive na Jordânia. Ela estudou, se formou, conseguiu um bom emprego, mas quis voltar à Cisjordânia. Apesar de ser palestina, conseguiu apenas um visto de visitante, por um mês. Entrou em Ramalá e não saiu mais. Fazem cinco anos. “O meu pai morreu na Jordânia e eu não pude ir ao funeral ou amparar a minha mãe. Se cruzar o check-point, eles me pegam. Nunca mais me deixarão voltar. Eu vivo com medo de ser descoberta, mas não quero ir embora. Afinal, este é meu país. Eu nasci aqui”.

Todo palestino, seja ele idoso, maduro, jovem ou criança, tem histórias para contar sobre o bloqueio israelense. Transtornos, impedimentos e constrangimentos fazem parte da rotina diária dessas pessoas. Segundo um levantamento da ONU, o índice de desemprego nos territórios ocupados oscila entre 30% e 60%, dependendo das ações impetradas por Israel. O ataque à Faixa de Gaza, por exemplo, prejudicou o turismo na Cisjordânia. Em 2008, mais de 1 milhão de pessoas visitou a Igreja da Natividade, na cidade de Belém. Com o início do bombardeio a Gaza, os turistas desapareceram, com medo. O dono do hotel onde estou hospedada disse que 40 grupos cancelaram reservas feitas para o mês de janeiro. Sem movimento, os trabalhadores do setor perderam o emprego. O efeito em cadeia atinge restaurantes, comércio, fabricantes de souvenires. Todos sofrem com a ausência dos turistas.

Buscar trabalho fora da cidade nem sempre é possível. Ir e vir pode levar horas e não há garantias de chegar ao destino. Quem mora em Belém, por exemplo, e trabalha em Ramalá leva cerca de uma hora e meia para chegar ao trabalho, em dia de sorte. E há sempre a possibilidade de a pessoa ficar retida no check-point por horas. Não há aviso ou explicação. Os soldados israelenses simplesmente têm autonomia para liberar ou bloquear a passagem. Por Jerusalém, a trajeto até Ramalá é de, no máximo, 15 minutos. Mas a maioria dos palestinos é proibida de entrar na cidade. É preciso ter permissão especial para transitar por Jerusalém. A autorização só é dada a empresários, a palestinos que tenham, também, cidadania americana e a doentes, submetidos a tratamentos especializados.

Mesmo com a permissão, o acesso é restrito, conforme está discriminado no documento. Quem for pego fora da área autorizada, será interrogado, pode ser preso e perderá definitivamente a permissão. O check-point que dá acesso a Jerusalém, perto da cidade de Beit-Jala, é o maior de todos. Lembra um posto de pedágio das grandes rodovias brasileiras. Passar pelos check-points é sempre um momento de tensão.

Os soldados apresentam-se fortemente armados, com metralhadoras e outros equipamentos. Eu, que entrei no país como turista, tenho o visto para visitar a região. Mesmo assim, cada vez que cruzo um bloqueio tenho a sensação de que estou fazendo alguma coisa errada e que vou ser flagrada. Talvez seja o ar de desconfiança com o qual os soldados olham para gente. É constrangedor. Embora sendo inocente, me sinto culpada, uma fora da lei. A passagem dos palestinos é mais complicada. Eles têm o carro revistado, passam por detector de metais. Os ônibus são esvaziados para cruzar o bloqueio. Todos os passageiros descem, apresentam suas permissões especiais, são submetidos a interrogatórios, têm a bolsa e a bagagem vistoriadas.

Os doentes não são poupados, nem dentro das ambulâncias. Todo esse procedimento pode levar duas, três horas. Os check-points existem até mesmo nos limites de diferentes partes dos territórios palestinos. Muitos abandonam o emprego e deixam de visitar familiares para evitar a tensão dos bloqueios militares. Nedaa, de 23 anos, que mora em Belém, não vê a tia e os primos há um ano. Fayrouzn pediu demissão do trabalho. Majeda passou cinco anos sem sair de Ramalá. Hanna teve um câncer de mama e precisou se submeter a quimioterapia em Israel. Ela obteve a permissão especial para ter acesso ao hospital, mas ninguém da família, nem a mãe nem o marido nem a irmã, pôde acompanhá-la. “Eu estava física e emocionalmente fragilizada e não pude contar com o apoio da minha família. Israel negou o visto. Eu tinha que ir e voltar sozinha. Chorei muitas vezes no trajeto”.

Os casos de Nedaa, Fayrouzn, Majeda e Hanna são semelhantes às histórias contadas por qualquer palestino. Não existe um só palestino que não seja afetado de alguma forma pela ocupação. Um levantamento da Organização Mundial de Saúde apurou que, de 2000 a 2007, 69 gestantes, impedidas de passar pelos check-points, deram à luz ali mesmo, na barreira do exército israelense. Dos 69 bebês, 35 morreram por conta do parto improvisado.

As situações são as mais variadas. Sireen, de 28 anos, está com casamento marcado com um rapaz nascido em Jerusalém. Ela tem acesso à cidade porque estudou nos Estados Unidos e possui cidadania norte-americana. Às vésperas do casamento, Sireen ainda não sabe se o pai poderá levá-la ao altar e se a mãe e a irmã terão permissão de Israel para assistir à cerimônia. “Vou morar em Jerusalém com o meu futuro marido. Talvez a família nunca conheça a minha casa”. Suhair, uma mulher de 40 anos, que trabalha como diretora de uma organização não-governamental para mulheres, define bem a situação: “Não há como evitar. As limitações e os impedimentos da ocupação vêm até você, por mais que você queira ignorá-los e viver o seu dia-a-dia como um cidadão comum”.

Israel mantém hoje 12 mil palestinos presos. Por aqui, não há quem não tenha sido preso ou tenha familiares detidos. Khaula foi presa três vezes: duas, em 1978, aos 15 anos, quando participava de manifestações pacíficas contra a ocupação; e a terceira em 1990, quando já era casada, mãe e não mais militava. Estava em casa, foi levada para interrogatório e a deixaram na cadeia por dois anos. “Meu marido também estava preso, acusado de fazer discursos contra a ocupação na Universidade. Ele é professor. Fiquei tão traumatizada por deixar meus filhos sem pai nem mãe, aos cuidados dos avôs, que até hoje tenho dificuldade de viajar a trabalho e deixá-los em casa. Evito sempre que posso. Mesmo sendo socióloga, recuso convites para dar palestras. Quando a viagem é inevitável, não durmo à noite, pensando neles”. O pai de Nedaa estava preso quando ela nasceu, e só a conheceu aos 6 meses de vida. A mãe também ficou alguns meses na cadeia. Quando questiono os motivos das prisões. A resposta é que nem sempre havia ou há motivos. Os israelenses acusam e prendem.

A imprensa mundial repete o discurso do governo israelense que justifica os ataques a Gaza como reação aos foguetes do Hamas, sem divulgar uma linha sequer sobre o que acontece do lado palestino do muro. Como se a verdade de Israel fosse absoluta. A ocupação na Cisjordânia continuou durante os ataques a Gaza. Enquanto 1,5 milhão de palestinos eram atacados a bomba em Gaza, outros 3 milhões de palestinos na Cisjordânia viviam a rotina do assédio moral nos check-points e da submissão ao confinamento. E outros 5 milhões de refugiados, a maioria vivendo abaixo da linha da pobreza, estavam longe, espalhados pelo mundo, e sem poder voltar. Não há uma linha sequer na imprensa sobre o prosseguimento da construção do Muro de Israel, chamado pelos palestinos de Muro da Vergonha.

Eu acompanhei uma manifestação contra o paredão no município de Al-Masara, a 15 minutos de Belém. Quinze pequenos agricultores protestavam à beira da estrada, quando soldados israelenses armados chegaram e cercaram os manifestantes com arame farpado para que eles não pudessem sair dali. Alguns foram detidos. Ayah, mulher de um deles, disse que o muro passa dentro da propriedade dela: “Israel tirou o nosso ganha-pão. Somos pequenos agricultores, vivemos da terra. Eles pegaram toda a terra boa. Não temos quem nos defenda”. Quando vi o muro pela primeira vez, levei um susto. É um paredão enorme de concreto, de oito metros de altura. As guaritas onde ficam os soldados são ainda mais altas. Do hotel, fui a pé para fotografá-lo. Cinco minutos de caminhada.

Quando cheguei perto, tive a sensação de que o muro se lançaria sobre mim. Era como se ele perdesse a condição de objeto inanimado por tudo o que representa de repressão e confinamento. Fiquei parada, ali, olhando, por uns 10 minutos, até conseguir fazer a primeira foto. Centenas de palestinos perderam e estão perdendo a propriedade por causa do muro. Vi várias casas com janelas e portas a menos de um metro do paredão. O morador olha para fora e dá de cara com o muro. Muitos estão ficando doentes de desgosto. Sawsan, uma tradutora de inglês, francês e árabe, contou que o tio teve dois enfartes depois que o muro cortou a propriedade dele no meio e tomou a reserva de pedras usadas na construção civil. “O negócio foi o sustento da família por gerações. O meu tio não aguentou; morreu de tristeza.”

Os jornais locais trazem fotos e notícias sobre a repressão contra qualquer tipo de manifestação, mesmo pacífica, contra a ocupação. Enquanto escrevo esta matéria, acesso a versão online do Ma’an. Em Jenin, um rapaz foi preso e teve o computador apreendido. Em Nablus, várias casas foram invadidas por soldados e palestinos foram levados para interrogatório. Em Belém, pelo menos dois adolescentes também foram aprisionados. Em Hebron, os israelenses mataram um motorista suspeito de estar armado. Hebron. Nessa antiga cidade, a proximidade entre colonos judeus e palestinos gera conflitos diários. Estive lá. Entrei em uma casa destruída pelo fogo. A família estava reunida quando colonos judeus chegaram pelo telhado e atearam fogo à residência. Por sorte, todos conseguiram escapar. Samer conta que esse tipo de agressão é freqüente. “Os colonos judeus querem nos amedrontar e nos expulsar de casa. Depois, eles ocupam o imóvel. Isso aconteceu com muitos vizinhos. Mas eu vou resistir”. Samer mostra as casas de palestinos recém-ocupados por colonos judeus. A dele era a próxima, colada à residência do último vizinho que havia ido embora, com medo. Samer acusa os soldados de serem coniventes. “Se as nossas crianças se defendem com pedras, são punidas. Eles nos atacam com fogo, água fervente, facas, armas e nada acontece”.

Comerciantes palestinos também reclamam das agressões dos colonos. O tradicional comércio de Hebron fica em ruas estreitas. No vão que separa um lado do outro das vielas, existe uma tela de arame que cobre toda a extensão do trajeto. As telas estão cheias de garrafas plásticas, papel higiênico, latas. “Tivemos que nos juntar e colocar o arame para nos proteger do lixo jogado pelos judeus. Eles fazem isso para gente ir embora e deixar tudo pra eles”. Esses colonos agressores lembram os integrantes dos grupos Irgun e Stern, terroristas que assustavam os palestinos nos anos de 1930, 1940, quando os sionistas começaram a chegar em massa na região. Próximo ao final do Mandato Britânico, em 1948, as ações terroristas recrudesceram. E o Irgun, o Stern, a Haganah e outros grupos armados se uniram para constituir o exército israelense que conhecemos hoje.

Adriana Mabilia é jornalista. E visitou a Cisjordânia no período da ofensiva israelense a Gaza



domingo, 6 de junho de 2010

Sionismo, ideologia da barbárie



Diante dos fatos ocorridos nos últimos dias quando o exército do Estado de Israel atacou um conjunto de navios de ajuda humanitária (leia-se navios que carregavam, além de ativistas de diversos países, inclusive um prêmio nobel da paz, alimentos, medicamentos, cimento, kits de montagem de casas, roupas, dentre outros bens necessários) e também diante da inoperância internacional através das Nações Unidas, resolvi postar nessse Blog uma entrevista com o escritos estadunidense Ralph Schoenman, exímio pesquisador do sionismo e da causa palestina.
Espero que após a leitura da entrevista, diante das inúmeras dúvidas que surgirão, o leitor possa ter a curiosidade de pesquisar sobre o assunto. Desde já afirmo que possuo farto material sobre o tema e o disponibilizarei aos interessados.
O escritor, de origem judaica, pede o fim de toda a ajuda ao Estado de Israel e acusa: “A liderança sionista colaborou com os piores perseguidores dos judeus durante o século XIX e o século XX, incluindo os nazistas”.
Ralph Schoenman foi diretor-executivo da Fundação pela Paz Bertrand Russel, papel através do qual conduziu negociações com inúmeros chefes de Estado. Com seu trabalho assegurou a libertação de prisioneiros políticos em muitos países e fundou o Tribunal Internacional dos Crimes de Guerra dos Estados Unidos na Indochina, organização da qual foi secretário-geral. Velho militante, fundou o Comitê dos 100, que organizou a desobediência civil massiva contra as armas nucleares e as bases americanas na Grã-Bretanha. Foi também fundador e diretor da Campanha de Solidariedade ao Vietnã e diretor do Comitê “Quem Matou Kennedy?” Tem sido líder do Comitê por Liberdade Artística e Intelectual no Irã e co-diretor do Comitê em Defesa dos Povos Palestino e Libanês e do Movimento de Solidariedade de Trabalhadores e Artistas Americanos. Atualmente é diretor executivo da Campanha Palestina, que clama pelo fim de toda ajuda a Israel e por uma Palestina laica e democrática.
T&D – Em seu livro The Hidden History of Zionism (A História Oculta do Sionismo), você descreve quatro mitos sobre a história do sionismo. Nós gostaríamos que você explicasse um pouco seu livro.
Schoenman – O meu trabalho na Fundação Bertrand Russel foi importante por me dar a chance de documentar fatos da formação do Estado sionista de Israel. Em cursos e palestras que proferi em mais de uma centena de universidades americanas e européias, pude constatar que as pessoas não sabiam, não tinham conhecimento da história do movimento sionista, dos seus objetivos e de vários fatos. Nessas ocasiões deparei com concepções equivocadas sobre a natureza do Estado de Israel e foi isso que impulsionou o meu trabalho de escrever o livro, The Hidden History of Zionism, no qual eu abordo o que chamo de os quatro mitos que têm moldado a consciência nos Estados Unidos e na Europa sobre o sionismo e o Estado de Israel.
T & D - Quais são esses quatro mitos?
Schoenman – O primeiro mito é o da “terra sem povo para um povo sem terra“. Os primeiros teóricos sionistas, como Theodor Herzl e outros, apresentaram para o mundo a Palestina como uma terra vazia, visitada ocasionalmente por beduínos nômades; simplesmente, uma terra vazia, esperando para ser tomada, ocupada. E os judeus eram um povo sem terra, que se originaram historicamente na Palestina; portanto, os judeus deveriam ocupar essa terra. Desde o começo, os primeiros núcleos de colonos, promovidos pelo movimento sionista, foram caracterizados pela remoção, pela expulsão armada da população palestina nativa do local onde essa população vivia e trabalhava.
T & D - Quais os outros três mitos?
Schoenman – O segundo mito que o livro pretende discutir é o mito da democracia israelense. A propaganda sionista, desde o início da formação do Estado de Israel, tem insistido em caracterizar Israel como um Estado democrático no estilo ocidental, cercado por países árabes feudais, atrasados e autoritários. Apresentam então Israel como um bastião dos direitos democráticos no Oriente Médio. Nada poderia estar mais longe da verdade.
Entre a divisão da Palestina e a formação do Estado de Israel, num período de seis meses, brigadas armadas israelenses ocuparam 75% da terra palestina e expulsaram mais de 800 mil palestinos, de um total de 950 mil. Eles os expulsaram através de sucessivos massacres. Várias cidades foram arrasadas, forçando assim a população palestina a refugiar-se nos países vizinhos, em campos de concentração e de refugiados. Naquele tempo, no período da formação do Estado de Israel, havia 475 cidades e vilas palestinas, que caíram sob o controle israelita. Dessas 475 cidades e vilas, 385 foram simplesmente arrasadas, deixadas em escombros, no chão, apagadas do mapa. Nas 90 cidades e vilas remanescentes, os judeus confiscaram toda a terra, sem nenhuma indenização.
Hoje, o Estado de Israel e seus organismos governamentais, tais como o da Organização da Terra, controlam cerca de 95% da terra palestina. Pela legislação existente em Israel, é necessário provar, por critérios religiosos ortodoxos judeus, a ascendência judaica por linhagem materna até a quarta geração, para poder possuir terra, trabalhar na terra ou mesmo sublocar terra. Como eu digo sempre, nas palestras em que apresento meus pontos de vista, em qualquer país do mundo (seja Brasil, EUA, onde for), se fosse necessário preencher requisitos parecidos com esses, ninguém duvidaria do caráter racista de tal Estado; seria notória a existência de um regime fascista.
A Suprema Corte em Israel tem ratificado que Israel é o Estado do povo judeu e que, para participar da vida política israelense, organizar um partido político, por exemplo, ou ter uma organização política, ou mesmo um clube público, é necessário afirmar que se aceita o caráter exclusivamente judeu do Estado de Israel. É um Estado colonial racista, no qual os direitos são limitados à população colonizadora, na base de critérios raciais.
O terceiro mito do qual falo em meu livro é aquele criado para justificativa da política de Israel, que se diz baseada em critérios de segurança nacional. A verdade é que Israel é a quarta potência militar do mundo. Desde 1948, os EUA deram a Israel US$ 92 bilhões em ajuda direta. A magnitude dessa soma pode ser avaliada quando observamos que a população israelense variou entre 2 a 3 milhões nesse período. Se o governo americano dá algum dinheiro para países como Taiwan, Brasil, Argentina, e a aplicação desse dinheiro tiver alguma relação com fins militares, a condição é que as compras desse material têm que ser feitas dos EUA. Mas há uma exceção: as compras de material bélico podem ser feitas também de Israel. Israel é tratado pelos EUA como parte de seu território, em todos os
assuntos comerciais.
O que motivaria uma potência imperialista a subsidiar tanto um Estado colonial? A verdade é que Israel não pode mesmo existir sem a ajuda americana, sem os US$ 10 bilhões anuais. Israel é, portanto, a extensão do imperialismo na região do
Oriente Médio. Israel é o instrumento através do qual a revolução árabe é mantida sob controle. É, portanto, o instrumento através do qual as ricas reservas do Oriente Médio são mantidas sob o controle do imperialismo americano. É também um meio através do qual os regimes sanguinários dos países árabes são mantidos no governo, graças ao clima de tensão gerado por uma possível invasão israelense. O quarto mito a que me refiro no livro, que tem influenciado a opinião pública mundial, refere-se à origem do sionismo, à origem do Estado de Israel.
O sionismo tem sido apresentado como o legado moral do holocausto, das vítimas do holocausto. O movimento sionista tem como que se “alimentado” da mortandade
coletiva dos 6 milhões de vítimas da exterminação nazista na Europa. Esta é uma terrível e selvagem ironia. A verdade é bem o oposto disso. A liderança sionista colaborou com os piores perseguidores dos judeus durante o século XIX e o século XX, incluindo os nazistas.
Quando alguém tenta explicar isso para as pessoas, elas geralmente ficam chocadas, e perguntam: o que poderia motivar tal colaboração? Os judeus foram perseguidos e oprimidos por séculos na Europa e, como todo povo oprimido, foram empurrados, impelidos a desafiar o establishment, o statu quo. Os judeus eram críticos, eram dissidentes. Eles foram impelidos a questionar a ordem que os perseguia. Então, o melhor das mentes da inteligência judia foi impelido para movimentos que lutavam por mudanças sociais, ameaçando os governos estabelecidos.
Os sionistas exploraram esse fato a ponto de dizer para vários governos reacionários que o movimento sionista iria ajudá-los a remover esses judeus de seus países. O movimento sionista fez o mesmo apelo ao kaiser na Alemanha, obtendo dele dinheiro e armas. Eles se reivindicavam como a melhor garantia dos interesses imperialistas no Oriente Médio, inclusive para os fascistas e os nazistas.
T & D - Como se deu essa colaboração dos sionistas com os nazistas?
Schoenman – Em 1941, o partido político de Itzhak Shamir (conhecido hoje como Likud) concluiu um pacto militar com o 3º Reich alemão. O acordo consistia em lutar ao lado dos nazistas e fundar um Estado autoritário colonial, sob a direção do
3º Reich. Outro aspecto da colaboração entre os sionistas e governos e Estados perseguidores dos judeus é o fato de que o movimento sionista lutou ativamente para mudar as leis de imigração nos EUA, na Inglaterra e em outros países, tornando mais difícil a emigração de judeus perseguidos na Europa para esses países.
Os sionistas sabiam que, podendo, os judeus perseguidos na Europa tentariam emigrar para os EUA, para a Grã- Bretanha, para o Canadá. Eles não eram sionistas, não tinham interesse em emigrar para uma terra remota como a Palestina. Em 1944, o movimento sionista refez um novo acordo com Adolf Eichmann. David Ben Gurion, do movimento sionista, mandou um enviado, de nome Rudolph Kastner, para se encontrar com Eichmann na Hungria e concluir um acordo pelo qual os sionistas concordaram em manter silêncio sobre os planos de exterminação de 800 mil judeus húngaros e mesmo evitar resistências, em troca de ter 600 líderes sionistas libertados do controle nazista e enviados para a Palestina. Portanto, o mito de que o sionismo e o Estado de Israel são o legado moral do holocausto tem um particular aspecto irônico, porque o que o movimento sionista fez quando os judeus na Europa tinham a sua existência ameaçada foi fazer acordos, e colaborar com os nazistas.


Fonte: Revista Teoria & Debate (Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT) nº 5 – janeiro/fevereiro/março de 1989, por Stylianos Tsirakis