segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Belo Monte no ENEM: o errado vira certo

Escrito por Rodolfo Salm


Leciono na faculdade de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará, em Altamira, no Xingu, onde se pretende construir a hidrelétrica de Belo Monte. Apesar de os meus futuros alunos estarem sendo selecionados pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), eu vinha acompanhando apenas por alto os vários problemas das provas.

Seguiria desta forma se não me contassem, por acaso, de uma menina daqui que estava "inconformada" com uma questão da prova, sobre Belo Monte, que ela estava convicta de que havia acertado apesar do gabarito oficial apontar o contrário. E ainda teve que ouvir chistes dos amigos por não ter acertado a única pergunta que se referia a algo diretamente ligado à sua região.

Trata-se da questão 15 da prova de "Ciências Humanas e suas Tecnologias", que tem a seguinte introdução (os grifos são meus):

"A usina hidrelétrica de Belo Monte será construída no rio Xingu, no Pará (ainda espero que não). A usina será a terceira maior do mundo e a maior totalmente brasileira, com capacidade de 11,2 mil megawatts (informação equivocada: esse seria o valor do pico das chuvas, a produção média anual seria de menos da metade disso). Os índios do Xingu tomam a paisagem com seus cocares, arcos e flechas. Em Altamira, no Pará, agricultores fecharam estradas de uma região que será inundada pelas águas da usina".

Então, pergunta-se: "Os impasses, resistências e desafios associados à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte estão associados..."

Ao potencial hidrelétrico dos rios do norte e nordeste quando comparados às bacias hidrográficas das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país.

a. À necessidade de equilibrar e compatibilizar o investimento no crescimento do país com os esforços para a conservação ambiental.

b. À grande quantidade de recursos disponíveis para as obras e à escassez dos recursos direcionados para o pagamento pela desapropriação das terras.

c. Ao direito histórico dos indígenas à posse dessas terras e à ausência de reconhecimento desse direito por parte das empreiteiras.

d. Ao aproveitamento da mão-de-obra especializada disponível na região Norte e o interesse das construtoras na vinda de profissionais do Sudeste do país.

É impressionante a constatação de que todas as alternativas estão certas! Com a possível exceção daquela que é considerada correta pelos examinadores...

A estudante secundarista escolhera a opção "d" (ausência de reconhecimento dos direitos históricos indígenas pelas empreiteiras) e não se conformava de ter "errado", pois tinha visto os protestos dos índios na cidade e seu enfrentamento com os representantes das empreiteiras. Teoricamente, as empreiteiras só entram na jogada depois que o governo e o IBAMA liberam e dão as autorizações necessárias.



Poderia se dizer que houve desrespeito, sem dúvida, ao direito dos indígenas, mas que esse desrespeito veio de quem tomou a iniciativa de construir e a quem dá a autorização ambiental para construir. Mas sabemos que este é um jogo de cartas marcadas em que as empreiteiras é que ditam as regras, através, por exemplo, de fartas doações de campanha. O que explica, por exemplo, os recursos muito superiores da campanha presidencial do PT, se comparados com os da oposição.

A opção "a" (do potencial hidrelétrico das várias regiões) tem uma pegadinha: o "grande potencial inexplorado" do Brasil está concentrado na região Norte e não no Nordeste. Ainda assim, se colocarmos as duas regiões juntas em um lado da balança contra o resto do país do outro, ela não deixa de estar certa. Isso explica parte da resistência à barragem, sim, pois alguns dos opositores à obra não se conformam com este papel de exportador de energia barata para a nossa região, a favor do Sul e Sudeste desenvolvidos.

A precariedade do processo de desapropriação de terras e das compensações ambientais que não estão sendo cumpridas confirma a veracidade da opção "c". Sem um estudo mais transparente e detalhado não é possível dizer com certeza se há realmente "escassez de recursos direcionados para o pagamento pela desapropriação das terras". Mas porque este trabalho não começou há tempos, de forma séria e sistemática, bem antes da data que se pretende para o início das obras?

Finalmente, o "aproveitamento da mão-de-obra especializada disponível na região Norte" também é problemático e não há dúvidas de que há grandes interesses por parte das empreiteiras em vários negócios associados com a vinda de profissionais do Sudeste do país. Isso também está "associado aos impasses, resistências e desafios associados à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte". Afinal, parte dos que se dizem contra a obra, o são, pois sabem que, com a formação que têm, não teriam lugar nessa empreitada.

A opção oficialmente certa é a cínica: os impasses, resistências e desafios associados à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte estariam relacionados "à necessidade de equilibrar e compatibilizar o investimento no crescimento do país com os esforços para a conservação ambiental". Seria possível "equilibrar" sem "compatibilizar"? E o contrário? O mau uso do português é típico da estratégia de enrolação. E, afinal, o que é "compatibilizar o crescimento com a conservação"? Pode ser tudo e coisa nenhuma.

Os estudantes que marcaram como corretas as opções mais claras e diretas sobre o potencial hidrelétrico dos rios, o desequilíbrio no destino dos recursos disponíveis com prejuízo para as "compensações", os direitos indígenas que estão sendo violados e a mão-de-obra local que não está preparada para ocupar posições importantes na construção, não pontuaram na questão 15 desta prova do ENEM. E ali foram selecionados aqueles que desde cedo carregam uma certa predileção pela linguagem ambígua sub-reptícia do discurso do "desenvolvimento sustentável", rica em neologismos, mas pobre em significados concretos. Perdem as nossas universidades.

Não sei. Pode até ser que consigam nos enfiar essa hidrelétrica garganta abaixo, mas não há como manter a mentira para sempre. Feita em nome dos interesses das grandes empreiteiras, Belo Monte seria um desastre colossal para o Xingu, a floresta Amazônica, os índios e povo do Norte e do Brasil em geral. A não ser que ainda consigamos nos contrapor à força avassaladora de tais interesses, essa tragédia será para as gerações futuras a marca maior dos governos Lula e Dilma.

De forma geral, a marca maior desta passagem do PT pela presidência da República será o descaso com o meio ambiente. Mas Belo Monte não será apenas um exemplo entre muitos outros. Mais que a maior obra do PAC, seria aquela com os impactos mais amplos e profundos, com conseqüências continentais e repercussão mundial. Mais que as hidrelétricas do Madeira, dada a vulnerabilidade das florestas da Amazônia Oriental, e a importância do Xingu como último grande rio do planeta em ótimo estado de conservação e ocupado majoritariamente por povos indígenas. Mais do que a transposição do rio São Francisco, que não causará mudanças geopolíticas ecologicamente tão relevantes como a imensa migração humana que se espera para esta região da Amazônia, que geraria um imenso incremento nos desmatamentos.

Tentando acima de tudo reinventar a História, considerando o certo errado e o errado certo, a incompetência do vazamento de provas e os erros de impressão, como a numeração invertida das questões no quadro de respostas, são inevitáveis conseqüências.

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) e faz parte do Painel de Especialistas para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

ROMEU & JULIETA. Uma nova história


ROMEU & JULIETA. UMA NOVA HISTÓRIA



Sábado acontece mais uma oficina do Ciclo de Oficinas Culturais Juventude e Cidadania, projeto incentivado pela Alcoa Poçs de Caldas através da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, com apoio ainda do Instituto Cultural Companhia Bella de Artes.


A oficina contará com o lançamento do filme do diretor Jedson dos Reis ROMEU E JULIETA. Uma nova história.

O horário é: 16h
Data: 11 de dezembro (sábado)
O local é: Cia. Bella de Artes (Ed. Manhathan, Rua Prefeito Chagas, 305, Andar PL)

ENTRADA FRANCA


Sinopse:

ROMEU & JULIETA. Uma nova história foi lançado em 2010 pela Cia. de Cinema Acópoles. O casal mais famoso de todos os tempos é separado em pleno século XXI pela problemática das drogas.Repleto de poesia, amor e tragédia esse longa-metragem lança as bandas Yellow Sheep, com a música Lutar por alguém que já se foi e Alternado, com a música Rua Sem Saída.

O elenco é formado por crianças, jovens e adultos que voluntariamente trabalharam com muito afinco e carinho nerste projeto lírico, apaixonado e contemporâneo de reflexão sobre as drogas em nossa sociedade.

Natural de Pouso Alegre, Sul de Minas, Jedson dos Reis apresenta seu primeiro longa metragem que promete emocionar e levar o público a uma profunda reflexão sobre o amor, os valores e o nosso mundo.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A farsa da pacificação do Rio de Janeiro

Entrevista especial com José Cláudio Alves

“O que está por trás desses conflitos urbanos é uma reconfiguração da geopolítica do crime na cidade”. Assim descreve o sociólogo José Cláudio Souza Alves a motivação principal dos conflitos que estão se dando entre traficantes e a polícia do Rio de Janeiro. Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, o professor analisa a composição geográfica do conflito e reflete as estratégias de reorganização das facções e milícias durante esses embates. “A mídia nos faz crer – sobretudo a Rede Globo está empenhada nisso – que há uma luta entre o bem e o mal. O bem é a segurança pública e a polícia do Rio de Janeiro e o mal são os traficantes que estão sendo combatidos. Na verdade, isso é uma falácia. Não existe essa realidade. O que existe é essa reorganização da estrutura do crime”, explica.

José Cláudio Souza Alves é graduado em Estudos Sociais pela Fundação Educacional de Brusque. É mestre em sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor, na mesma área, pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e membro do Iser Assessoria..

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que está por trás desses conflitos atuais no Rio de Janeiro?

José Cláudio Alves – O que está por trás desses conflitos urbanos é uma reconfiguração da geopolítica do crime na cidade. Isso já vem se dando há algum tempo e culminou na situação que estamos vivendo atualmente. Há elementos presentes nesse conflito que vêm de períodos maiores da história do Rio de Janeiro, um deles é o surgimento das milícias que nada mais são do que estruturas de violência construídas a partir do aparato policial de forma mais explícita. Elas, portanto, controlarão várias favelas do RJ e serão inseridas no processo de expulsão do Comando Vermelho e pelo fortalecimento de uma outra facção chamada Terceiro Comando. Há uma terceira facção chamada Ada, que é um desdobramento do Comando Vermelho e que opera nos confrontos que vão ocorrer junto a essa primeira facção em determinadas áreas. Na verdade, o Comando Vermelho foi se transformando num segmento que está perdendo sua hegemonia sobre a organização do crime no Rio de Janeiro. Quem está avançando, ao longo do tempo, são as milícias em articulação com o Terceiro Comando.

Um elemento determinante nessa reconfiguração foi o surgimento das UPPs a partir de uma política de ocupação de determinadas favelas, sobretudo da zona sul do RJ. Seus interesses estão voltados para a questão do capital do turismo, industrial, comercial, terceiro setor, ou seja, o capital que estará envolvido nas Olimpíadas. Então, a expulsão das favelas cariocas feita pelas UPPs ocorre em cima do segmento do Comando Vermelho. Por isso, o que está acontecendo agora é um rearranjo dessa estrutura. O Comando Vermelho está indo agora para um confronto que aterroriza a população para que um novo acordo se estabeleça em relação a áreas e espaços para que esse segmento se estabeleça e sobreviva.

IHU On-Line – Mas, então, o que está em jogo?

José Cláudio Alves – Não está em jogo a destruição da estrutura do crime, ela está se rearranjando apenas. Nesse rearranjo quem vai se sobressair são, sobretudo, as milícias, o Terceiro Comando – que vem crescendo junto e operando com as milícias – e a política de segurança do Estado calcada nas UPPs – que não alteraram a relação com o tráfico de drogas. A mídia nos faz crer – sobretudo a Rede Globo está empenhada nisso – que há uma luta entre o bem e o mal. O bem é a segurança pública e a polícia do Rio de Janeiro e o mal são os traficantes que estão sendo combatidos. Na verdade, isso é uma falácia. Não existe essa realidade. O que existe é essa reorganização da estrutura do crime.

A realidade do RJ exige hoje uma análise muito profunda e complexa e não essa espetacularização midiática, que tem um objetivo: escorraçar um segmento do crime organizado e favorecer a constelação de outra composição hegemônica do crime no RJ.

IHU On-Line – Por que esse confronto nasceu na Vila Cruzeiro?

José Cláudio Alves – Porque a partir dessa reconfiguração que foi sendo feita das milícias e das UPPs (Unidades de Policiamento Pacificadoras), o Comando Vermelho começou a estabelecer uma base operacional muito forte no Complexo do Alemão. Este lugar envolve um conjunto de favelas com um conjunto de entradas e saídas. O centro desse complexo é constituído de áreas abertas que são remanescentes de matas. Essa estruturação geográfica e paisagística daquela região favoreceu muito a presença do Comando Vermelho lá. Mas se observarmos todas as operações, veremos que elas estão seguindo o eixo da Central do Brasil e Leopoldina, que são dois eixos ferroviários que conectam o centro do RJ ao subúrbio e à Baixada Fluminense. Todos os confrontos estão ocorrendo nesse eixo.

IHU On-Line – Por que nesse eixo, em específico?

José Cláudio Alves – Porque, ao longo desse eixo, há várias comunidades que ainda pertencem ao Comando Vermelho. Não tão fortemente estruturadas, não de forma organizada como no Complexo do Alemão, mas são comunidades que permanecem como núcleos que são facilmente articulados. Por exemplo: a favela de Vigário Geral foi tomada pelo Terceiro Comando porque hoje as milícias controlam essa favela e a de Parada de Lucas a alugam para o Terceiro Comando. Mas ao lado, cerca de dois quilômetros de distância dessa favela, existe uma menor que é a favela de Furquim Mendes, controlada pelo Comando Vermelho. Logo, as operações que estão ocorrendo agora em Vigário Geral, Jardim América e em Duque de Caxias estão tendo um núcleo de operação a partir de Furquim Mendes.

Então, o combate no Complexo do Alemão é meramente simbólico nessa disputa. Por isso, invadir o Complexo do Alemão não vai acabar com o tráfico no Rio de Janeiro. Há vários pontos onde as milícias e as diferentes facções estão instaladas. O mais drástico é que quem vai morrer nesse confronto é a população civil e inocente, que não tem acesso à comunicação, saúde, luz... Há todo um drama social que essa população vai ser submetida de forma injusta, arbitrária, ignorante, estúpida, meramente voltada aos interesses midiáticos, de venda de imagens e para os interesses de um projeto de política de segurança pública que ressalta a execução sumária. No Rio de Janeiro a execução sumária foi elevada à categoria de política pública pelo atual governo.

IHU On-Line – Em que contexto geográfico está localizado a Vila Cruzeiro?

José Cláudio Alves – A Vila Cruzeiro está localizada no que nós chamamos de zona da Leopoldina. Ela está ao pé do Complexo do Alemão, só que na face que esse complexo tem voltada para a Penha. A Penha é um bairro da Leopoldina. Essa região da Leopoldina se constituiu no eixo da estrada de ferro Leopoldina, que começa na Central do Brasil, passa por São Cristóvão e dali vai seguir por Bonsucesso, Penha, Olaria, Vigário Geral – que é onde eu moro e que é a última parada da Leopoldina e aí se entra na Baixada Fluminense com a estação de Duque de Caxias.

Esse “corredor” foi um dos maiores eixos de favelização da cidade do Rio de Janeiro. A favelização que, inicialmente, ocorre na zona sul não encontra a possibilidade de adensamento maior. Ela fica restrita a algumas favelas. Tirando a da Rocinha, que é a maior do Rio de Janeiro, os outros complexos todos – como o da Maré e do Alemão – estão localizados no eixo da zona da Leopoldina até Avenida Brasil. A Leopoldina é de 1887-1888, já a Avenida Brasil é de 1946. É nesse prazo de tempo que esse eixo se tornou o mais favelizado do RJ. Logo, a Vila Cruzeiro é apenas uma das faces do Complexo do Alemão e é a de maior facilidade para a entrada da polícia, onde se pode fazer operações de grande porte como foi feita na quinta-feira, dia 25-11. No entanto, isso não expressa o Complexo do Alemão em si.

A Maré fica do outro lado da Avenida Brasil. Ela tem quase 200 mil habitantes. Uma parte dela pertence ao Comando Vermelho, a outra parte é do Terceiro Comando. Por que não se faz nenhuma operação num complexo tão grande ou maior do que o do Alemão? Ninguém cita isso! Por que não se entra nas favelas onde o Terceiro Comando está operando? Porque o Terceiro Comando já tem acordo com as milícias e com a política de segurança. Por isso, as atuações se dão em cima de uma das faces mais frágeis do Complexo do Alemão, como se isso fosse alguma coisa significativa.

IHU On-Line – Estando a Vila Cruzeiro numa das faces do Complexo, por que o Alemão se tornou o reduto de fuga dos traficantes?

José Cláudio Alves – A estrutura dele é muito mais complexa para que se faça qualquer tipo de operação lá. Há facilidade de fuga, porque há várias faces de saída. Não é uma favela que a polícia consegue cercar. Mesmo juntando a polícia do RJ inteiro e o Exército Nacional jamais se conseguiria cercar o complexo. O Alemão é muito maior do que se possa imaginar. Então, é uma área que permite a reorganização e reestruturação do Comando Vermelho. Mas existem várias outras bases do Comando Vermelho pulverizadas em toda a área da Leopoldina e Central do Brasil que estão também operando.

Mesmo que se consiga ocupar todo o Complexo do Alemão, o Comando Vermelho ainda tem possibilidades de reestruturação em outras pequenas áreas. Ninguém fala, por exemplo, da Baixada Fluminense, mas Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Mesquita, Belford Roxo são áreas que hoje estão sendo reconfiguradas em termos de tráfico de drogas a partir da ida do Comando Vermelho para lá.

Por exemplo, um bairro de Duque de Caxias chamado Olavo Bilac é próximo de uma comunidade chamada Mangueirinha, que é um morro. Essa comunidade já é controlada pelo Comando Vermelho que está adensando a elevação da Mangueirinha e Olavo Bilac já está sentindo os efeitos diretos dessa reocupação. Mas ninguém está falando nada sobre isso.

A realidade do Rio de Janeiro é muito mais complexa do que se possa imaginar. O Comando Vermelho, assim como outras facções e milícias, estabelece relação direta com o aparato de segurança pública do Rio de Janeiro. Em todas essas áreas há tráfico de armas feito pela polícia, em todas essas áreas o tráfico de drogas permanece em função de acordos com o aparato policial.

IHU On-Line – Podemos comparar esses traficantes que estão coordenando os conflitos no RJ com o PCC, de São Paulo?

José Cláudio Alves – Só podemos analisar a história do Rio de Janeiro, fazendo um retrospecto da história e da geografia. O PCC, em São Paulo, tem uma trajetória muito diferente das facções do Rio de Janeiro, tanto que a estrutura do PCC se dá dentro dos presídios. Quando a mídia noticia que os traficantes no Rio de Janeiro presos estão operando os conflitos, leia-se, por trás disso, que a estrutura penitenciária do Estado se transformou na estrutura organizacional do crime. Não estou dizendo que o Estado foi corrompido. Estou dizendo que o próprio estado em si é o crime. O mercado e o Estado são os grandes problemas da sociedade brasileira. O mercado de drogas, articulado com o mercado de segurança pública, com o mercado de tráfico de drogas, de roubo, com o próprio sistema financeiro brasileiro, é quem tem interesse em perpetuar tudo isso.

A articulação entre economia formal, economia criminosa e aparato estatal se dá em São Paulo de uma forma diferente em relação ao Rio de Janeiro. Expulsar o Comando Vermelho dessas áreas interessa à manutenção econômica do capital. O que há de semelhança são as operações de terror, operações de confronto aberto dentro da cidade para reestruturar o crime e reorganizá-lo em patamares mais favoráveis ao segmento que está ganhando ou perdendo.

IHU On-Line – Como o senhor avalia essa política de instalação das UPPs – Unidades de Policiamento Pacificadoras nas favelas do Rio de Janeiro?

José Cláudio Alves – É uma política midiática de visibilidade de segurança no Rio de Janeiro e Brasil. A presidente eleita quase transformou as UPPs na política de segurança pública do país e quer reproduzir as UPPs em todo o Brasil. A UPP é uma grande farsa. Nas favelas ocupadas pelas UPSs podem ser encontrados ex-traficantes que continuam operando, mas com menos intensidade. A desigualdade social permanece, assim como o não acesso à saúde, educação, propriedade da terra, transporte. A polícia está lá para garantir o não tiroteio, mas isso não garante a não existência de crimes. A meu ver, até agora, as UPPs são apenas formas de fachada de uma política de segurança e econômica de grupos de capitais dominantes na cidade para estabelecer um novo projeto e reconfiguração dessa estrutura.

IHU On-Line – A tensão no Rio de Janeiro, neste momento, é diferente de outros momentos de conflito entre polícia e traficantes?

José Cláudio Alves – Sim, porque a dimensão é mais ampla, mais aberta. Dizer que eles estão operando de forma desarticulada, desesperada, desorganizada é uma mentira. A estrutura que o Comando Vermelho organiza vem sendo elaborada há mais de cinco anos e ela tem sido, agora, colocada em prática de uma forma muito mais intensa do que jamais foi visto.

A grande questão é saber o que se opera no fundo imaginário e simbólico que está sendo construído de quem são, de fato, os inimigos da sociedade fluminense e brasileira. Essa questão vai ter efeitos muito mais venosos para a sociedade empobrecida e favelizada. É isso que está em jogo agora.