domingo, 17 de julho de 2011

A tortura nos porões da Ditadura Militar

Segue abaixo trechos do livro Brasil Nunca Mais:


Modos e instrumentos de tortura

Reza o artigo 59 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada pelo Brasil: Ninguém será submetido à tortura, nem a tra­tamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Em vinte anos de Regime Militar, este princípio foi ignorado pelas autoridades brasileiras. A pesquisa revelou quase uma cente­na de modos diferentes de tortura, mediante agressão física, pressão psicológica e utilização dos mais variados instrumentos, aplicados aos presos políticos brasileiros. A documentação processual recolhida revela com riqueza de detalhes essa ação criminosa exercida sob auspício do Estado. Os depoimentos aqui parcialmente transcritos demonstram os principais modos e instrumentos de tortura adota­dos pela repressão no Brasil.

O “pau-de-arara”

(...) O pau-de-arara consiste numa barra de ferro que e atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho, sendo o “conjunto” colocado entre duas mesas, ficando o cor­po do torturado pendurado a cerca de 20 ou 30 cm. do solo. Este método quase nunca é utilizado isoladamente, seus “com­plementos” normais são eletrochoques, a palmatória e o afo­gamento. (...)
(...) que o pau-de-arara era uma estrutura metálica, desmon­tável, (...) que era constituído de dois triângulos de tubo gal­vanizado em que um dos vértices possuía duas meias-luas em que eram apoiados e que, por sua vez, era introduzida debaixo de seus joelhos e entre as suas mãos que eram amarradas e levadas até os joelhos; (...).

O choque elétrico

(...) O eletrochoque é dado por um telefone de campanha do Exército que possuía dois fios longos que são ligados ao cor­po, normalmente nas partes sexuais, além dos ouvidos, dentes, língua e dedos. (...)
(...) que foi conduzido às dependências do DOI-CODI, onde foi torturado nu, após tomar um banho pendurado no pau-de-arara, onde recebeu choques elétricos, através de um magneto, em seus órgãos genitais e por todo o corpo, (...) foi-lhe amarrado um dos terminais do magneto num dedo de seu pé e no seu pênis, onde recebeu descargas sucessivas, a ponto de cair no chão, (...)

A “pimentinha” e dobradores de tensão

(...) havia uma máquina chamada “pimentinha”, na lingua­gem dos torturadores, a qual era constituída de uma caixa de madeira; que no seu interior tinha um ímã permanente, no campo do qual girava um rotor combinado, de cujos termi­nais uma escova recolhia corrente elétrica que era conduzida através de fios que iam dar nos terminais que já descreveu; que essa máquina dava uma voltagem em torno de 100 volts e de grande corrente, ou seja, em torno de 10 amperes; que detalha essa máquina porque sabe que ela é a base do princí­pio fundamental: do princípio de geração de eletricidade; que essa máquina era extremamente perigosa porque a corrente elétrica aumentava em função da velocidade que se imprimia ao rotor através de uma manivela; que, em seguida, essa má­quina era aplicada com uma velocidade muito rápida a uma parada repentina e com um giro no sentido contrário, crian­do assim uma força contra eletromotriz que elevava a voltagem dos terminais em seu dobro da voltagem inicial da máquina; (...)
(...) um magneto cuja característica era produzir eletricida­de de baixa voltagem e alta amperagem; que, essa máquina por estar condicionada em uma caixa vermelha recebia a de­nominação de “pimentínha”; (...)
(...) que existiam duas outras máquinas que são conhecidas, na linguagem técnica da eletrônica, como dobradores de ten­são, ou seja, a partir da alimentação de um circuito eletrônico por simples pilhas de rádio se pode conseguir voltagem de 500 ou 1000 volts, mas, com correntes elétricas pequenas, co­mo ocorreu nos cinescópios de televisão, nas bobinas de carro; que essas máquinas possuíam três botões que correspondiam a três seções, fraca, média e forte, que eram acionadas indi­vidual ou em grupo, o que, nesta dada hipótese, somavam as voltagens das três seções; (...)
(...) dobradores de tensão alimentados à pilha, que, ao con­trário do magneto, produzem eletricidade de alta voltagem e baixa amperagem, como as dos cinescópios de TVs; que, esta máquina produzia faísca que queimava a pele e provocava choques violentos; (...)

O “afogamento”

(...) O afogamento é um dos “complementos” do pau-de-arara. Um pequeno tubo de borracha é introduzido na boca do torturado e passa a lançar água. (...)
(...), e teve introduzido em suas narinas, na boca, uma man­gueira de água corrente, a qual era obrigado a respirar cada vez que recebia uma descarga de choques elétricos; (...)
(...) afogamento por meio de uma toalha molhada na boca que constituí: quando já se está quase sem respirar, recebe um jato d’água nas narinas; (...)“


A “cadeira do dragão”, de São Paulo

(...) sentou-se numa cadeira conhecida como cadeira do dra­gão, que é uma cadeira extremamente pesada, cujo assento é de zinco, e que na parte posterior tem uma proeminência para ser introduzido um dos terminais da máquina de cho­que chamado magneto; que, além disso, a cadeira apresenta­va uma travessa de madeira que empurrava as suas pernas para trás, de modo que a cada espasmo de descarga as suas pernas batessem na travessa citada, provocando ferimentos profundos; (...)
(...); também recebeu choques elétricos, cadeira do “dragão” que é uma cadeira elétrica de alumínio, tudo isso visando ob­tenção de suas declarações. (...)
(...) Despida brutalmente pelos policiais, fui sentada na “ca­deira do dragão”, sobre uma placa metálica, pés e mãos amarrados, fios elétricos ligados ao corpo tocando língua, ou­vidos, olhos, pulsos, seios e órgãos genitais. (...).


A “cadeira do dragão”, do Rio

(...) o interrogado foi obrigado a se sentar em uma cadeira, tipo barbeiro, à qual foi amarrado com correias revestidas de espumas, além de outras placas de espuma que cobriam seu corpo; que amarraram seus dedos com fios elétricos, dedos dos pés e mãos, iniciando-se, também, então uma série de choques elétricos; que, ao mesmo tempo, outro torturador com um bastão elétrico dava choques entre as pernas e pênis do interrogado;
(...) uma cadeira de madeira pesada com braços cobertos de zinco ou flandres, onde havia uma travessa que era utilizada para empurrar para trás as pernas dos torturados; (...).


A “geladeira”

(...) que por cinco dias foi metida numa “geladeira” na po­lícia do Exército, da Barão de Mesquita, (...)
(...) que foi colocado nu em um ambiente de temperatura baixíssima e dimensões reduzidas, onde permaneceu a maior parte dos dias que lá esteve; que nesse mesmo local havia um excesso de sons que pareciam sair do teto, muito es­tridentes, dando a impressão de que os ouvidos iriam arreben­tar; () 18
(...) que, sendo, de novo, encapuzado, foi levado para um lo­cal totalmente fechado cujas paredes eram revestidas de eucatex preto, cuja temperatura era extremamente baixa; (...) que, naquela sala ouvia sons estridentes, ensurdecedores, capaz até de produzir a loucura; (...)
(...) conduzido para uma pequena sala de aproximadamente dois metros por dois metros, sem janelas, com paredes es­pessas, revestidas de fórmica e com um pequeno visor de vi­dro escuro em uma das paredes; (...) a partir desse instante, somente podia ouvir vozes que surgiam de alto falantes insta­lados no teto, e que passou a ser xingado por uma sucessão de palavras de baixo calão, gritadas por várias vozes diferen­tes, simultâneas; que, imediatamente, passou a protestar tam­bém em altos brados contra o tratamento inadmissível de que estava sendo vítima e que todos se calaram e as vozes foram substituídas por ruídos eletrônicos tão fortes e tão intensos que não escutou mais a própria voz; (..) que havia instan­tes que os ruídos eletrônicos eram interrompidos e que as paredes do cubículo eram batidas com muita intensidade du­rante muito tempo por algo semelhante a martelo ou tamanco e que em outras ocasiões o sistema de ar era desligado e permanecia assim durante muito tempo, tornando a atmosfera penosa, passando então a respirar lentamente; (...)
(...) que inúmeras foram as vezes em que foi jogado a um cubículo que denominavam de “geladeira”, que tinha as se­guintes características: sua porta era do tipo frigorífico, me­dindo cerca de 2 metros por um metro e meio; suas paredes eram todas pintadas de preto, possuindo uma abertura gra­deada ligada a um sistema de ar frio; que, no teto dessa sala, existia uma lâmpada fortíssima; que, ao ser fechada a porta ligavam produtores de ruídos cujo som variava do barulho de uma turbina de avião a uma estridente sirene de Fábri­ca; (...)
Algo semelhante à “geladeira” da Polícia do Exército, à rua Ba­rão de Mesquita, na Tijuca, Rio, era a cabine do CENIMAR, na mesma cidade:
(...) colocado em uma Cabine, local absolutamente escuro, assemelhado a uma cela surda; que, no mencionado local ha­via um como sistema elétrico que reproduzia sons dos mais diversos, lembrando sirenes, ruídos semelhantes a bombar­deios, etc., tudo isto, com períodos intercalados de absoluto si­lêncio; (...)
 (...) havia também, em seu cubículo, a lhe fazer companhia, uma jibóia de nome “MIRIAM”; (...)
(...) que lá na P. Ex. existe uma cobra de cerca de dois me­tros a qual foi colocada junto com o acusado em urna sala de dois metros por duas noites; (...)
(...) que, ao retornar à sala de torturas, foi colocada no chão com um jacaré sobre seu corpo nu; (...)
(...) que apesar de estar grávida na ocasião e disto ter ciên­cia os seus torturadores (...) ficou vários dias sem qual­quer alimentação;
(...) que as pessoas que procediam os interrogatórios, solta­vam cães e cobras para cima da interrogada; (...)
(...) que foi transferida para o DOI da P. Ex. da B. Mesqui­ta, onde foi submetida a torturas com choque, drogas, seví­cias sexuais, exposição de cobras e baratas; que essas torturas eram efetuadas pelos próprios Oficiais; (...)
(...) a interroganda quer ainda declarar que durante a pri­meira fase do interrogatório foram colocadas baratas sobre o seu corpo, e introduzida uma no seu ânus. (...)


Produtos químicos

(...) que levou ainda um soro de Pentatotal, substância que faz a pessoa falar, em estado de sonolência; (...)
(...) havendo, inclusive, sido jogada uma substância em seu rosto que entende ser ácido que a fez inchar; (...)
(...) torturas constantes de choques elétricos em várias par­tes do corpo, inclusive, nos órgãos genitais e injeção de éter, inclusive com borrifos nos olhos, (...) que de 14 para 15 to­mou uma injeção de soro da verdade “pentotal”; (...)


Lesões físicas

(..) que em determinada oportunidade foi-lhe introduzido no ânus pelas autoridades policiais um objeto parecido com um limpador de garrafas; que em outra oportunidade essas mes­mas autoridades determinaram que o interrogado permaneces­se em pé sobre latas, posição em que vez por outra recebia além de murros, queimaduras de cigarros; que a isto as auto­ridades davam o nome de Viet Nan; que o interrogado mos­trou a este Conselho uma marca a altura do abdômem como tendo sido lesão que fora produzida pelas autoridades policiais (gilete); (...)
(...) o interrogado sofreu espancamento com um cassetete de alumínio nas nádegas, até deixá-lo, naquele local, em carne viva, (...) o colocaram sobre duas latas abertas, que se re­corda bem, eram de massa de tomates, para que ali se equi­librasse, descalço, e, toda vez em que ia perdendo o equilíbrio acionavam uma máquina que produzia choque elétricos, o que obrigava ao interrogado à recuperação do equilíbrio; (...) Amarraram-no numa forquilha com as mãos para trás e começaram a bater em todo corpo e colocaram-no, durante duas horas, em pé com os pés em cima de duas latas de leite condensado e dois tições de fogo debaixo dos pés. (...)
(..) obrigaram o acusado a colocar os testículos espaldados na cadeira; que Miranda e o Escrivão Holanda com a palma­tória procuravam acertar os testículos do interrogado; (...) o acusado sofreu o castigo chamado “telefone”, que consiste em tapas dados nos dois ouvidos ao mesmo tempo sem que a pes­soa esteja esperando; que, em virtude deste castigo, o acusado passou uma série de dias sem estar ouvindo; que três dias após o acusado ao limpar o ouvido notou que este havia san­grado; (...)
(..) foi o interrogado tirado do hospital, tendo sido nova­mente pendurado em uma grade, com os braços para cima, tendo sido lhe arrancada sua perna mecânica, colocado um capuz na cabeça, amarrado seu pênis com uma corda, para impedir a urina; (...) Que, ao chegar o interrogado à sala de investigações, foi mandado amarrar seus testículos, tendo sido arrastado pelo meio da sala e pendurado para cima, amarrado pelos testículos; (...).
Outros modos e instrumentos de tortura
(...) A palmatória é uma borracha grossa, sustentada por um cabo de madeira, (...) O enforcamento é efetuado por uma pequena corda que, amarrada ao pescoço da vitima, su­foca-a progressivamente, até o desfalecimento. (. . .)
(...) que passou dois dias nesta sala de torturas sem comer, sem beber, recebendo sal em seus olhos, boca e em todo o corpo, de modo que aumentasse a condutividade de seu cor­po; (...)
(...) que a estica a que se referiu, como um dos instru­mentos de tortura, é composta de dois blocos de cimento re­tangulares, como argolas às quais são prendidas as mãos e os pés das pessoas ali colocadas com pulseiras de ferro, onde o interrogando foi colocado e onde sofreu espancamen­tos durante vários dias, ou seja, de 12 de maio a 17 do mes­mo mês; (...)
(...) As torturas psicológicas eram intercaladas com choques elétricos e uma postura que chamavam de “Jesus Cristo”:
despido, em pé, os braços esticados para cima e amarrados numa travessa. Era para desarticular a musculatura e os rins, explicavam. (...)
(...) continuaram a torturá-lo com processos desumanos, tais como: posição Cristo Redentor, com quatro volumes de catá­logo telefônico em cada mão, e na ponta dos pés, nu, com pancadas no estômago e no peito, obrigando-o a erguer-se no­vamente.
(...) que várias vezes seguidas procederam à imersão da ca­beça do interrogando, a boca aberta, num tambor de gasoli­na cheio d’água, conhecida essa modalidade como “banho chinês; (...)
 “Tortura chinesa” era também o nome utilizado pelos agentes do DOI-CODI de São Paulo para designar o tipo de suplício a que foi submetido outro preso político, já no final de 1976:
(...) Com a aplicação destas descargas elétricas, meu corpo se contraia violentamente. Por inúmeras vezes a cadeira caiu no chão e eu bati com a cabeça na parede. As contrações pro­vocavam um constante e forte atrito com a cadeira, causa dos hematomas e das feridas constatadas em meu corpo pelo laudo médico. Não contentes com este tipo de torturas, meus algozes resolveram submeter-me ao que chamavam “tor­tura chinesa”. Deitaram-me nu e encapuzado num colchão, amarraram minhas pernas e braços e prendiam estes ao meu pescoço. Para não deixarem marcas dos choques, colocaram pequenas tiras de gase nos meus dedos do pé. Molharam meu corpo com água, por várias vezes, para que a descarga elétrica tivesse maior efeito. Os choques se sucederam até o fim do dia (...) Durante as descargas elétricas, os tortura­dores faziam galhofa com a minha situação de saúde, afir­mando que os choques iriam fazer-me louco ou curar a minha epilepsia (...)


Tortura em crianças, mulheres e gestantes

A tortura foi indiscriminadamente aplicada no Brasil, indiferente a idade, sexo ou situação moral, física e psicológica em que se en­contravam as pessoas suspeitas de atividades subversivas. Não se tratava apenas de produzir, no corpo da vítima, uma dor que a fizesse entrar em conflito com o próprio espírito e pronunciar o discurso que, ao favorecer o desempenho do sistema repressivo, sig­nificasse sua sentença condenatória. Justificada pela urgência de se obter informações, a tortura visava imprimir à vítima a destruição moral pela ruptura dos limites emocionais que se assentam sobre relações efetivas de parentesco. Assim, crianças foram sacrificadas diante dos pais, mulheres grávidas tiveram seus filhos abortados, esposas sofreram para incriminar seus maridos.


Menores torturados

Ao depor como testemunha informante na Justiça Militar do Ceará, a camponesa Maria José de Souza Barros, de Japuara, con­tou, em 1973:
(...) e ainda levaram seu filho para o mato, judiaram com o mesmo, com a finalidade de dar conta de seu marido; que o menino se chama Francisco de Souza Barros e tem a idade de nove anos; que a polícia levou o menino às cinco horas da tarde e somente voltou com ele às duas da madru­gada mais ou menos; (...)
A professora Maria Madalena Prata Soares, 26 anos, esposa do estudante José Carlos Novaes da Mata Machado, morto pelos órgãos de segurança, narrou ao Conselho da Auditoria Militar de Minas Gerais, em 1973:
(...) que foi presa no dia 21.10.73, juntamente com seu fi­lho menor Eduardo, de 4 anos de idade; que o motivo da prisão era que a interroganda desse o paradeiro de seu esposo; que, durante 3 dias, em Belo Horizonte, foi pressionada (para dizer) onde estava José Carlos, da seguinte maneira: que, se não falasse, seu filho seria jogado do 20 andar, e isso durou 3 dias, (...); que na última noite que seu filho passou consigo, já estava bastante traumatizado, pois ele não conse­guia entender porque estava preso e pedia para ela, interroganda, para não dormir, para ver a hora que o soldado viria buscá-los; (...) ele não consegue entender o motivo do desa­parecimento meu e de José Carlos; que o menino está trau­matizado, com sentimento de abandono; (...)
Ao depor no Rio, em 1969, declara o carpinteiro paranaense Milton Gaia Leite, 30 anos:
(...) foi preso e torturado com tentativa de estupro, inclusive os seus filhos e esposa, tendo os filhos de cinco anos e sete (sido) presos, não só no Paraná, e aqui (também); (...)
Em São Paulo, a estudante lára Ackselrud de Seixas, de 23 anos, viu seu irmão menor, com evidentes sinais de torturas, ser levado à sua casa pela polícia, conforme narrou em seu depoimento, em 1972:
(...) “alguns seres” que invadiram a casa, passando a agredi-la e aos demais, derrubando tudo, estando seu irmão, na oca­sião, ensanguentado, mancando e algemado, tendo ele apenas 16 anos de idade; (...)
Algumas crianças foram interrogadas, no intuito de se obter de­las informações que viessem a comprometer seus pais. O ex-depu­tado federal Diógenes Arruda Câmara denunciou, em seu depoimen­to, em 1970, o que ocorreu à filha de seu companheiro de cárcere, o advogado Antônio Expedito Carvalho:
(...) ameaçaram torturar a única filha, de nome Cristina, com dez anos de idade, na presença do pai; ainda assim, não intimidaram o advogado, mas, de qualquer maneira, foram ouvir a menor e, evidentemente, esta nada tinha para dizer, embora as ameaças feitas – inúteis, por se tratar de uma inocente que, jamais, é óbvio, poderia saber de alguma coi­sa. (....)
Ao prenderem, em São Paulo, em 24 de junho de 1964, o publi­citário José Leão de Carvalho, não pouparam seus filhos mais novos:
 (...) fazendo ameaças aos seus filhos menores, do que re­sultou, inclusive, a necessidade de tratamento médico-psiquiá­trico no menino Sérgio, então com três anos de idade; (...)
Na tentativa de fazerem falar o motorista César Augusto Teles, de 29 anos, e sua esposa, presas em São Paulo em 28 de dezembro de 1972, os agentes do DOI-CODI buscaram em casa os filhos me­nores deles e os levaram àquela dependência policial-militar, onde viram seus pais marcados pelas sevícias sofridas:
(...) Na tarde desse dia, por volta das 7 horas, foram tra­zidos sequestrados, também para a OBAN, meus dois filhos, Janaina de Almeida Teles, de 5 anos, e Edson Luiz de Almeida Teles, de 4 anos, quando fomos mostrados a eles com as ves­tes rasgadas, sujos, pálidos, cobertos de hematomas. (...) So­fremos ameaças por algumas horas de que nossos filhos se­riam molestados. ... .)
A companheira de César, professora Maria Amélia de Almeida Teles, também denunciou no mesmo processo:
(...) que, inclusive, ameaçaram de tortura seus dois filhos; que torturaram seu marido também; que seu marido foi obri­gado a assistir todas as torturas que fizeram consigo; que também sua irmã foi obrigada a assistir suas torturas; (...)
A semelhante constrangimento foram submetidos os filhos do ferroviário aposentado João Farias de Souza, 65 anos, ao ser preso em Fortaleza, em 1964:
(...) deveria declarar tudo quanto ele soubesse, sob pena de, se assim não o fizesse, ele (promotor) tinha autoridade para prender toda a sua família; que, no dia em que fizeram bus­ca em sua residência, a polícia havia levado dois de seus filhos, permanecendo naquela repartição até a hora em que o interrogado voltou à sua residência. ... .)
Não há indícios de que seriam menores os filhos citados na denúncia acima, bem como nos seguintes casos registrados nos autos de qualificação e interrogatório, das Auditorias Militares brasileiras.
No Rio de Janeiro, consta no depoimento prestado, em 1970, pela operária Maria Eloídia Alencar, de 38 anos:
(...) que a altas horas da noite foi levada à sua residência; que a porta foi arrombada e a depoente entrou acompanhada desses homens e, lá, foi novamente espancada; (...) que prenderam e espancaram o filho da depoente; (...)
Também o radiotécnico Newton Cãndido, de 40 anos, denunciou na Justiça Militar em São Paulo, em 1977:
(...) que, em São Paulo, foi, juntamente com sua esposa e filhos, torturado; (...) “
Os arquivos processuais das Auditorias Militares registram ou­tros casos de sevícias envolvendo relações de parentesco, como o do advogado José Afonso de Alencar, de 28 anos, conforme seu de­poimento à Justiça Militar de Minas, em 1970:
(...) que a esposa de Carlos Melgaço foi trazida para ver os espancamentos sofridos pelo interrogado, Melgaço, Ênio, Má­rio e Ricardo, sendo de notar que a esposa de Melgaço, diante de tais cenas, desmaiou algumas vezes; (...)
O mesmo ocorreu com o estudante Luiz Artur Toribio, 22 anos, quando preso em São Paulo, em 1972:
(...) Como se isso não bastasse, foi torturado na frente de sua namorada, Lúcia Maria Lopes de Miranda e, ela, tortura­da em sua presença. (...)
Em Fortaleza, consta, no depoimento prestado em 1972 pelo es­tudante José Calistrato Cardoso Filho, 29 anos:
(...) Que foi levado a assinar referidas declarações por ter sofrido torturas e maus-tratos, aplicados não apenas na pessoa do interrogando, como também à noiva do interrogando e às irmãs destes; (...)


Mulheres torturadas

O sistema repressivo não. fez distinção entre homens e mulhe­res. O que variou foi a forma de tortura. Além das naturais diferen­ças sexuais da mulher, uma eventual gravidez a torna especialmente vulnerável. Por serem do sexo masculino, os torturadores fizeram da sexualidade feminina objeto especial de suas taras.
A engenheira Elsa Maria Pereira Lianza, de 25 anos, presa no Rio, narrou em seu depoimento, em 1977:
 (...) que a interrogada foi submetida a choques elétricos em varias lugares do corpo, inclusive nos braços, nas pernas e na vagina; que o marido da interrogada teve oportunidade de presenciar essas cenas relacionadas com choques elétricos e os torturadores amplificavam os gritos da interrogada, para que os mesmos fossem ouvidos pelo seu marido; (...)
A bancaria Inês Etienne Romeu, 29 anos, denunciou:
(...) A qualquer hora do dia ou da noite sofria agressões fí­sicas e morais. “Márcio” invadia minha cela para “examinar meu ânus e verificar se “Camarão” havia praticado sodomia comigo. Este mesmo “Márcio” obrigou-me a segurar o seu pênis, enquanto se contorcia obscenamente. Durante este pe­ríodo fui estuprada duas vezes por “Camarão” e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidade, os mais grosseiros. (...)
Maria do Socorro Diógenes, de 29 anos, e Pedro, sofreram ve­xames sexuais como forma de tortura, segundo denúncia dela à Jus­tiça Militar do Rio, em 1972:
(...) que, de outra feita, a interrogada, juntamente com o acusado neste processo por nome de Pedro, receberam apli­cação de choques, procedidos pelos policiais, obrigando a in­terrogada a tocar os órgãos genitais de Pedro para que, dessa forma, recebesse a descarga elétrica; (...)
Violentada no cárcere, a estudante de Medicina Maria de Fá­tima Martins Pereira, 23 anos, contou, no Rio, ao Conselho de Jus­tiça, em 1977:
(...) que, um dia, irromperam na “geladeira”, ela supõe que cinco homens, que a obrigaram a deitar-se, cada um deles a segurando de braços e pernas abertas; que, enquanto isso, um outro tentava introduzir um objeto de madeira em seu órgão genital; (...)
Em Minas Gerais o mesmo se deu com a professora Maria Men­des Barbosa, de 28 anos, segundo seu depoimento, em 1970:
(...) nua, foi obrigada a desfilar na presença de todos, desta ou daquela forma, havendo, ao mesmo tempo, o capitão POR­TELA, nessa oportunidade, beliscado os mamilos da interroga­da até quase produzir sangue; que, além disso, a interrogada foi, através de um cassetete, tentada a violação de seu órgão genital; que ainda, naquela oportunidade, os seus torturado­res faziam a autopromoção de suas possibilidades na satisfa­ção de uma mulher, para a interrogada, e depois fizeram uma espécie de sorteio para que ela, interrogada, escolhesse um deles. (...)
No Rio, a funcionaria pública Maria Auxiliadora Lara Barcelos, de 25 anos, narrou, em 1970, como a forçaram a atos degradantes com outros prisioneiros políticos:
(...) que nesta sala foram tirando aos poucos sua roupa; (..) que um policial, entre calões proferidos por outros po­liciais, ficou à sua frente, traduzindo atos de relação sexual que manteria com a declarante, ao mesmo tempo em que to­cava o seu corpo, tendo esta prática perdurado por duas horas; que o policial profanava os seus seios e, usando uma tesoura, fazia como iniciar seccioná-los; (...) que, na polícia do Exército, os três presos foram colocados numa sala, sem roupas; que, inicialmente, chamaram Chael e fizeram-no bei­jar a declarante toda e, em seguida, chamaram Antonio Ro­berto para repetir esta pratica, (..) o cabo Nilson Pereira insistia para que a declarante o fitasse, sem o que não lhe entregaria a refeição, (...)
Em 1973, no Rio, o tribunal militar ouviu da revisora gráfica Maria da Conceição Chaves Fernandes, de 19 anos:
(..) sofreu violências sexuais na presença e na ausência do marido; (...)


Gravidez e abortos

Para as forças repressivas, as razões de Estado predominavam sobre o direito à vida. Muitas mulheres que, nas prisões brasileiras, tiveram sua sexualidade conspurcada e os frutos do ventre arran­cados, certamente preferiram calar-se, para que a vergonha supor­tada não caísse em domínio público. Hoje, no anonimato de um passado marcante, elas guardam em sigilo os vexames e as violações sofridas. No entanto, outras optaram por denunciar na Justiça Mi­litar o que padeceram, ou tiveram seus casos relatados por ma­ridos e companheiros.
O auxiliar administrativo José Ayres Lopes, 27 anos, preso no Rio, declarou, em 1972:
(...) que, por vezes, foram feitas chantagem com o depoente em relação à gravidez de sua esposa, para que o depoente admitisse as declarações, sob pena de colocar sua esposa em risco de aborto e, consequentemente, de vida; (...) 22
Idêntica situação enfrentou, também no Rio e no mesmo ano, o estudante José Luiz de Araújo Saboya, de 23 anos:
(...) que durante o período em que esteve no DOPS, em se­guida no CODI, a sua esposa se encontrava em estado de ges­tação e permaneceu detida como elemento de coação moral sobre o interrogando; (...)
No Recife, o Conselho de Justiça ouviu, em 1970, este depoi­mento da estudante Helena Moreira Serra Azul, de 22 anos:
(...) que o marido da interrogada ficou na sala já referida e ela ouviu, do lado de fora, barulho de pancadas; que, posteriormente, foi reconduzida à sala onde estava o seu marido, que se apresentava com as mãos inchadas, a face avermelhada, a coxa tremendo e com as costas sem poder encostar na cadeira; que o Dr. Moacir Sales, dirigindo-se à interrogada, disse que, se ela não falasse, ia acontecer o mesmo com ela; (...) na Delegacia, todos já sabiam que a interrogada estava em es­tado de gestação; (...)
Também no Recife, a mesma ameaça sofreu a vendedora He­lena Mota Quintela, de 28 anos, conforme denunciou, em 1972:
(...) que foi ameaçada de ter o seu filho “arrancado à ponta de faca”; (...)
Em Brasília, a estudante Hecilda Mary Veiga Fonteles de Lima, de 25 anos, revelou, em 1972, como ocorreu o nascimento de seu filho, sob coação psicológica e com acentuados reflexos somáticos:
(...) ao saber que a interrogada estava grávida, disse que o filho dessa raça não devia nascer; (...) que a 17.10 foi levada para prestar outro depoimento no CODI, mas foi suspenso e, no dia seguinte, por estar passando mal, foi transportada para o Hospital de Brasília; que chegou a ler o prontuário, por distração da enfermeira, constando do mesmo que foi interna­da em estado de profunda angústia e ameaça de parto pre­maturo; que a 20.2.72 deu à luz e (24 horas após o parto, disseram-lhe que ia voltar para o PIO; (...)
A mera coação psicológica é suficiente para provocar o aborto, como aconteceu à estudante de Medicina Maria José da Conceição Doyle, de 23 anos, também em Brasília, em 1971:
(...) que a interroganda estava grávida de 2 meses e perdeu a criança na prisão, embora não tenha sido torturada, mas sofreu ameaças; (...)
O mesmo deu-se em São Paulo com a professora Maria Madalena Prata Soares, de 26 anos, conforme seu depoimento prestado em 1974:
(...) que, durante sua prisão em Minas, foi constatado que estava grávida e, em dia que não se recorda, abortou na OBAN; (...)
Outras mulheres abortaram em consequência das torturas físi­cas sofridas, como foi o caso da secretária Maria Cristina Uslenghi Rizzi, de 27 anos, que, em 1972, denunciou à Justiça Militar de São Paulo:
(...) sofreu sevícias, tendo, inclusive, um aborto provocado que lhe causou grande hemorragia, (...)
Em 1970, no Rio, a professora Olga D’Arc Pimentel, de 22 anos, fez constar de seu depoimento:
(...) sevícias, as quais tiveram, como resultado, um aborto; que presenciou, também, as sevícias praticadas em seu ma­rido. (...)
O professor Luiz Andréa Favero, de 26 anos, preso em Foz do Iguaçu, declarou na Auditoria Militar de Curitiba, em 1970, o que ocorrera a sua esposa:
(..) o interrogando ouviu os gritos de sua esposa e, ao pe­dir aos policiais que não a maltratassem, uma vez que a mesma se encontrava grávida, obteve como resposta uma risada; (...) que ainda, neste mesmo dia, teve o interrogando notícia de que sua esposa sofrera uma hemorragia, constatando-se posteriormente, que a mesma sofrera um aborto; (...)
Também em 1970, em seu depoimento no Rio, a estudante Regina Maria Toscano Farah, de 23 anos, contou:
(...) que molharam o seu corpo, aplicando consequentemente choques elétricos em todo o seu corpo, inclusive na vagina; que a declarante se achava operada de fissura anal, que pro­vocou hemorragia; que se achava grávida, semelhantes sevícias lhe provocaram aborto; (...).

Ditadura Militar no Brasil, 1964-1985. Reflexos atuais dos anos de chumbo




O maior Presidente que o Brasil não viu

por Diney Lenon de Paulo


Em meio a uma enorme crise política, econômica e social, João Goulart, recém chegado da China, graças à pressão popular de movimentos sociais, sindicatos, movimento estudantil e parcela de militares legalistas assume com o salvo conduto da elite golpista um governo nos moldes parlamentaristas para o qual não havia sido eleito.
Após a renúncia do desastroso e caricato Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, após poucos meses de um governo marcadamente controverso, Jango encontra sob sua responsabilidade a premência de mudanças no plano econômico do país, onde a inflação chegaria a 37% naquele ano. Mais do que o reflexo da política econômica irresponsável de Juscelino, Jango tinha a árdua tarefa de se constituir como Presidente de fato, com os poderes que seus antecessores possuíam.
Sem os poderes que a República presidencialista poderia lhe conferir, toda a ânsia por mudanças da população, que desejava reformas sociais nas áreas de educação, saúde, saneamento, que emanavam como consequência do processo de industrialização e urbanização não seria possível. Assim em 1963, após 3 gabinetes parlamentares, Jango consegue a aprovação do retorno do regime presidencialista. Desde então, com amplo apoio dos setores populares, dos comunistas, Goulart busca reafirmar seus princípios democráticos através de suas propostas de reformas de base.
Como ex-Ministro do Trabalho getulista, autor do histórico aumento do salário mínimo em 100%, Jango possuía respaldo do movimento trabalhista para propor mudanças substantivas para a economia nacional, leia-se economia capitalista em plena expansão. Para o campo econômico, após inflamado discurso em 15 de março de 1964, Jango anunciou dois decretos, sendo: a nacionalização das refinarias particulares de petróleo e a desapropriação das propriedades de terras com mais de 100 hectares que ladeavam as rodovias e ferrovias federais e os açudes públicos federais.
As medidas anunciadas geraram enorme receio nos setores conservadores e entreguistas. O famoso Comício das Reformas de Base contou ainda com o anúncio de medidas urgentes que seriam tomadas nos dias próximos, como o tabelamento dos aluguéis e controle de preços. A implementação de tais medidas acabaria por gerar ações do governo dos Estados Unidos (o contexto era do auge da Guerra Fria), o que por sua vez poderia levar o governo nacional progressista de Jango a buscar apoio com a URSS. Após o comício estavam dadas as cartas para o golpe, que contava as horas para sua execução, com apoio logístico, econômico e militar do imperialismo ianque aos coronéis entreguistas.
João Goulart havia já enviado ao Congresso a lei de remessas de lucro ao exterior, que acabava por limitar o envio do lucro das empresas multinacionais para o exterior e as obrigava a reinvestir os valores no setor produtivo nacional. Tal medida tinha por objetivo gerar uma poupança nacional e fazer a economia crescer. Essa talvez tenha sido a medida de maior impacto econômico desfavorável para Jango diante do poderia das empresas estrangeiras.
No campo da política externa, é de se ressaltar que Jango defendia a “política externa independente”. Quando Jânio Quadros renunciou, Jango se encontrava em missão oficial à China. O Ministro de Imprensa de Jango era o conhecido comunista Raul Ryff. Em certa ocasião, antes de embarcar para os Estados Unidos, numa missão diplomática, Jango foi aconselhado por Lindon Gordan a não levar seu ministro “Mr. Ryff”. Jango ignorou o “conselho” do Embaixador estadunidense, que seria décadas após o golpe, confirmado como grande articulador de sua derrubada junto à elite conservadora brasileira. Os Estados Unidos foram obrigados a engolir em seu território, numa missão diplomática, o nacional populista e seu ministro comunista em plena Guerra Fria.
Os dois anos e sete meses de governo janguista foram conturbados de extrema efervescência política. O populismo assumia um caráter menos paternalista e mais pró-ativo. As massas populares se movimentavam e, antes de qualquer discurso fabricado de crítica aos passos dados por Jango diante do golpe militar, é de se ressaltar seus princípios e objetivos, sem esquecermos da enorme capacidade destrutiva dos golpistas do apoio ianque. João Goulart deve figurar entre os grandes heróis dessa nação, que lutou, ao seu modo, contra a espoliação estrangeira e a favor da verdadeira independência nacional.
Morreu em 1976, aos 58 anos de idade, sendo enterrado em São Borja, ao lado de Getúlio, outro grande estadista brasileiro. João Goulart foi o único Presidente a morrer em solo estrangeiro e ainda há rumores de uma morte encomendada, por envenenamento. O que se pode concluir é que João Goulart pode ser considerado um dos maiores presidentes que este país teve e que, possivelmente seria, se não houvesse a interrupção de seu mandato, o maior presidente da história do Brasil.

Militares ministravam "aula de tortura"



Aulas de Tortura: os Presos-Cobaias

O estudante Angelo Pezzuti da Silva, 23 anos, preso em Belo Horizonte e torturado no Rio, narrou ao Conselho de Justiça Mili­tar de Juiz de Fora, em 1970:
(...); que, na PE (Polícia do Exército) da GB, verificaram o interrogado e seus companheiros que as torturas são uma instituição, vez que, o interrogado foi o instrumento de de­monstrações práticas desse sistema, em uma aula de que participaram mais de 100 (cem) sargentos e cujo professor era um Oficial da PE, chamado Tnt. Ayton que, nessa sala, ao tempo em que se projetavam “slides” sobre tortura, mos­trava-se na prática para a qual serviram o interrogado, MAU­RÍCIO PAIVA, AFONSO CELSO, MURILO PINTO, P. PAULO BRETAS, e, outros presos que estavam na PE-GB, de co­baias; (...)
A denúncia é confirmada no mesmo Processo, por depoentes acima citados, como o estudante, de 25 anos, Maurício Vieira de Paiva:
(...) que o método de torturas foi institucionalizado em nosso País e, que a prova deste fato não está na aplicação das tor­turas pura e simplesmente, mas, no fato de se ministrarem aulas a este respeito, sendo que, em uma delas o Interrogado e alguns dos seus companheiros, serviram de cobaias, aula esta que se realizou na PE da GB, foi ministrada para cem (100) militares das Forças Armadas, sendo seu instrutor um ten. HAYTON, daquela UM.; que, à concomitância da proje­ção dos “slides” sobre torturas elas eram demonstradas na prática, nos acusados, como o interrogado e seus companhei­ros, para toda a platéia; (...)
Na mesma linha, depõe Murilo Pinto da Silva, de 22 anos;
(...) que, quando esteve na PE-GB, o interrogado e seus companheiros serviram de cobaia a demonstrações práticas de torturas em aulas ministradas a elementos das Forças Armadas; (...)
E a denúncia desse episódio foi reiterada, ainda uma vez, no depoimento judicial do estudante Júlio Antonio Bittencourt de Almeida, de 24 anos:
(...) que durante o período em que o interrogado esteve na PE foi dado um curso sobre tortura para cerca de oitenta a cem membros para o qual os presos serviram de cobaias; Que os professores e a platéia desse curso eram de elementos das Forças Armadas; (...)
De abuso cometido pelos interrogadores sobre o preso, a tor­tura no Brasil passou, com o Regime Militar, à condição de “mé­todo científico”, incluído em currículos de formação de militares. O ensino deste método de arrancar confissões e informações não era meramente teórico. Era prático, com pessoas realmente tortu­radas, servindo de cobaias neste macabro aprendizado. Sabe-se que um dos primeiros a introduzir tal pragmatismo no Brasil, foi o policial norte-americano Dan Mitrione, posteriormente transferido para Montevidéu, onde acabou sequestrado e morto. Quando instru­tor em Belo Horizonte, nos primeiros anos do Regime Militar, ele utilizou mendigos recolhidos nas ruas para adestrar a polícia local. Seviciados em salas de aula, aqueles pobres homens permitiam que os alunos aprendessem as várias modalidades de criar, no preso, a suprema contradição entre o corpo e o espírito, atingindo-lhe os pontos vulneráveis.
A estudante Dulce Chaves Pandolfi, 24 anos, foi obrigada tam­bém a servir de cobaia no quartel da rua Barão de Mesquita, no Rio, de acordo com petição anexada aos autos, em 1970:
(...) Na Polícia do Exército, a supte. foi submetida a espan­camento inteiramente despida, bem como a choques elétricos e outros suplícios, com o “pau-de-arara”. Depois de conduzida à cela, onde foi assistida por médico, a supte. foi, após algum tempo, novamente seviciada com requintes de crueldade numa demonstração de como deveria ser feita a tortura; (...)
Em seu depoimento na Justiça Militar, Dulce reitera a denún­cia: ... que no dia 14 de outubro foi retirada da cela e le­vada onde estavam presentes mais de vinte oficiais e fizeram demonstração de tortura com a depoente; (...)
O estudante Afonso Celso Lana Leite, 25 anos, preso em Minas e transferido para o Rio, denunciou ao Conselho Militar que o in­terrogou, em 1970, ter sido torturado em instruções ministradas a oficiais no quartel da PE e na Vila Militar:
(...) que, no dia 8 de outubro, na P.E. 1, posto de Segurança Nacional, quando era ministrada uma aula, na presença de mais de cem pessoas foram trazidos para aquela aula compa­nheiros e, nesta ocasião, passaram filmes de fatos relaciona­dos com torturas e em seguida era confirmada com a presen­ça do denunciado, sendo, naquela ocasião também, torturados; ocasião esta coincidente com o seu depoimento; que estas tor­turas, ou seja, as acima descritas, se repetiram na Vila Mi­litar. (.. )
Já o professor José Antônio Gonçalves Duarte, 24 anos, preso em Belo Horizonte, revelou em seu depoimento, prestado em 1970, ter sido seviciado inclusive por um aluno do Colégio Militar:
(...) que foi torturado e espancado pelo Encarregado do In­quérito Cap. João Alcântara Comes, pelo Escrivão do mesmo Inquérito, Marcelo Araújo, pelo cabo Dirceu e por um aluno do Colégio Militar cujo o nome o interrogado não sabe e por um policial da Delegacia de Furtos e Roubos, cujo nome é Pereira; que causou estranheza ao interrogado um aluno do Colégio Militar, a título de prestar estágio no 1PM, participar de uma coisa infame, como a infligência de torturas a um ser humano (...)
Os torturadores não apenas se gabavam de sua sofisticada tec­nologia da dor, mas também alardeavam estar em condições de ex­portá-la ao sistema repressivo de outros países, conforme a carta-denúncia do engenheiro Haroldo Borges Rodrigues Lima, 37 anos, datada de 12 de abril de 1977:
(...) As torturas continuaram sistematicamente. E a essas se aliavam as ameaças de me levarem a novas e mais duras se­vícias, a mim descritas minuciosamente. Diziam, com muito orgulho, que sobre o assunto já não tinham nada a dever a qualquer organização estrangeira. Ao contrário, informaram-me, já estavam exportando “Know-how” a respeito. (...)