segunda-feira, 25 de novembro de 2013

História de resistência popular. Beato José Lourenço e o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto



Comunidade religiosa era liderada pelo beato José Lourenço e dividia produção e lucros. Acusados de comunistas, foram massacrados pelas forças militares em 1937.

A comunidade religiosa do Caldeirão, liderada pelo beato José Lourenço, descendente de negros alforriados e discípulo de Padre Cícero, ousou desafiar o poder do latifúndio e propor uma sociedade mais justa e humanitária, mas foi brutalmente reprimida pelas forças do estado.

O Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, no município de Crato, Cariri Cearense, era composto por milhares de camponeses e romeiros que vivam na comunidade, trabalhavam coletivamente e dividiam o lucro com a compra de remédios e querosene.
Ela chegou a ter mais de mil moradores e recebeu flagelados da seca de 1932 que assolou o nordeste.

A organização da comunidade teria incomodado os coronéis, latifundiários e ,posteriormente, o governo Getúlio Vargas. Em 1937, acusados de comunistas, eles teriam sido bombardeados pelas forças do Governo Federal e da Polícia Militar do Ceará e enterrados em vala comum.

O episódio pode ter sido o maior massacre da história brasileira, com mais de mil mortos.

76 anos depois, os corpos dos romeiros ainda não foram encontrados e não existe um documento oficial que registre o acontecimento. O exército nega o massacre.

Indenização

Em 2008, a ONG cearense SOS Direitos Humanos entrou com um pedido na justiça pedindo a procura, identificação, enterro digno e indenização dos descendentes dos mortos no Caldeirão.

A ação foi arquivada, mas a ONG pediu novas buscas à Justiça.

O documentário O Caldeirão de Santa Cruz do Deserto (1985, 96 minutos), de Rosemberg Cariry, conta a história a partir de depoimentos dos remanescentes e dos símbolos da cultura popular. O filme foi encontrado no canal de Daniel C. Valentim no Youtube.

Fonte: 
http://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/caldeirao-de-santa-cruz-do-deserto-o-massacre-que-o-brasil-nao-viu/

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Movimentos Sociais, América Latina e Contra-Hegemonia

por Diney Lenon de Paulo, idos de 2005.



A América Latina compõe um novo espaço político, uma nova correlação de forças entre os povos secularmente excluídos, as massas e trabalhadores subempregados, camponeses sem terra, indígenas, sem teto, estudantes, centrais sindicais, movimentos organizados e as classes burguesas locais, entreguistas, latifundiários do poder da terra, transnacionais exploradoras e acumuladoras de riqueza e banqueiros, parasitas do trabalho em função do capital.
O desmonte do estado nacional feito sob a égide do neoliberalismo, acentuadamente na década de 1990, a privatização dos setores estratégicos para o desenvolvimento de qualquer nação soberana, a formação de blocos econômicos de poder, os chamados monopólios das transnacionais, a formação dos blocos de mídia (meios de comunicação de massa, tv, jornais, internet, filmes, músicas, visuais...) toda essa transformação do capital, em sua formação, digamos, “mais cruel”, compõe o que se pode afirmar sob a ótica marxista, o “imperialismo, fase superior do capital”.
Considerada pela visão imperialista como “o quintal da América”, a América Latina teve na década passada o avanço desenfreado do capital internacional, sedento em se apoderar de nossas riquezas, de nossa cultura, impondo sua forma de pensar e agir, destruindo tudo o que é nacional, em função de seus interesses de dominação. Governos fantoches, subservientes ao capital internacional, ao interesse das multinacionais proliferaram a concepção liberal da tão aclamada “globalização”. Nosso continente foi engolido pela globalização enquanto nossos governantes faziam o desmonte do estado, a entrega do patrimônio público às transnacionais e também, contraditoriamente, não aplicando a reforma agrária, deixando milhões de pessoas entregues à sorte da vida.
Cada país, com suas devidas peculiaridades, teve sua, “antítese”, digamos que teve sua “resposta” frente ao avanço do capital. De forma breve, algumas das mais destacadas respostas às contradições que o neoliberalismo impõe. Façamos uma leitura sobre as contradições, ou seja, pensemos como Marx, busquemos as contradições que o neoliberalismo impôs e quais os reflexos dessas contradições, qual o desenvolvimento organizacional do movimento de resposta ao neoliberalismo. Sempre considerando a via materialista da história, buscando compreender como a produção da sociedade pode determinar o desenvolvimento das contradições e dos campos de atuação política.
 Em 1994, o México, mais precisamente na região de Chiapas, uma espécie de “nordeste brasileiro”, despontou para o mundo o Movimento Zapatista, liderado pelo SubComandante Marcos, um exército de mais de 15 mil soldados, homens e mulheres, lançou para o mundo o grito dos indígenas frente à sua condição subumana de existência. Nesse país, que teve a sorte de ser vizinho da maior potência imperialista da história, disse certa vez um revolucionário mexicano: “pobre México, tão longe de Deus, tão perto dos EUA!”. Os tratados de livre comércio assinados pelo governo mexicano favoreceram as empresas transnacionais, que aumentaram seus lucros às custas do aumento do desemprego e do “arrocho salarial”, formação do subemprego como categoria presente. A população que vivia na linha da pobreza antes dos acordos comerciais do NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte) era de 35%, chegando aos dias atuais a 75%, dados levantados pelo Movimento Jubileu Sul, articulador do movimento contra a ALCA no continente.
Os zapatistas, nesse momento, marcham por todo o país a caminho da capital, levam aos quatro cantos do país a “outra campaña”. Um movimento que propõe um espaço alternativo aos meios tradicionais de política. Os zapatistas levantam uma demanda, que segundo, seu comandante, Marcos, se não atendidas, podem levar o país a uma guerra civil. A mobilização dos indígenas e das massas excluídas tem ganhado força a cada quilômetro percorrido nesse país há uma luta contra as instituições, um movimento que vai muito além dos partidos institucionais, é uma mobilização pela transformação das relações políticas entre classes sociais.
Poderíamos aprofundar a análise em cada país, mas isso tornaria o texto por demais extenso. De forma breve e resumida o México é uma região de nosso continente que concentra uma grande potencialidade revolucionária, o Exército Zapatista de Libertação Nacional – EZLN é uma realidade, uma força política que é fortalecida (aí reside a contradição) pelas políticas econômicas que formam um massa de miseráveis que não encontram alternativa, senão lutar contra o sistema. Ao ser indagado há poucos dias sobre o MST, no Brasil e o governo Lula, Marcos foi categórico: o governo Lula é a alternativa que os EUA têm para a América latina! Há uma dicotomia entre as demandas dos movimentos sociais e a política implementada pelo governo petista. Perguntado se acreditava que o MST poderia estar prestes a dar o “salto qualitativo” dos zapatistas, Sub-Comandante Marcos foi objetivo: Sim!
Nosso país tem seus avanços frente à política neoliberal. A década de 1990 para o Brasil foi a década da destruição. Iludidos pelo plano real, pelo tetra, pelo tenta, pela mídia e pelo discurso de FHC: “O Brasil tem de se preparar para a globalização, pois ela é um fenômeno inevitável”, nosso país deixou de ser país (se é que um dia o foi). Bancos se apoderaram de nosso sistema econômico e, pior, de nosso sistema político. A privatização foi realizada de forma desmedida e vergonhosa, como exemplo cito a privatização da vale do Rio Doce que causou “espanto” em todo o mundo. Em conseqüência dessa política aumentaram os “contingentes miseráveis e perigosos”.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST é, sem dúvida, o maior ponto de referência do Brasil quando se pensa a luta de classes. Organizado em quase todos os estados desse imenso país, o MST organiza trabalhadores urbanos (que um dia tiveram seu vínculo com a terra, mas foram expulsos), camponeses, pequenos agricultores em forma de movimento pela reforma agrária. O projeto de reforma agrária proposto pelo movimento é, na verdade, um projeto de nação, baseado em novas formas de relação produtiva, cresce a cada mobilização, é perseguido pela mídia, mas mesmo assim continua a construir a dignidade no campo.
Estudantes também se organizam nos centros urbanos, UNE e UBES são duas das maiores forças do movimento estudantil brasileiro. Com vínculos com o governo, ou seja ao estado, têm um posicionamento mais “comportado”. Uma força que desponta é o Movimento Passe Livre – MPL, mais radical, meio anáquico, mas com grande capacidade de mobilização. As centrais sindicais, enfraquecidas pelo fraco engajamento sindical dos trabalhadores, à mercê do patronato, não oferece perigo à ordem. Muitos são os movimentos de resistência no Brasil, os movimentos sociais procuram esse entrosamento, para uma luta conjunta maior. Essa busca e essa prática está presente no MST, maior movimento social do continente.
Pensando em América Latina e resistência ao imperialismo e sobre as condições objetivas de formação de uma luta continental, não se pode negar que a Ilha mais famosa do mundo, por sua perseverança e sua capacidade de promover o socialismo, resistindo fortemente ao império. Cuba é um ponto de referência inquestionável, há mais de 47 anos se firmando como nação soberana, a caminho do socialismo.
Em Cuba, os avanços nos direitos humanos são objeto de admiração em o mundo. Saúde, que significa vida; educação, que significa, crescimento e humanização; moradia e trabalho, que significa dignidade são avanços que fazem do povo cubano o povo mais culto e corajoso do mundo, a menos de 150Km da potência se afirmam como povo soberano. Com o apoio solidário da Venezuela, Cuba hoje encontra no seu principal aliado a referência que tinha há alguns anos na URSS. Avança no socialismo, tem seus problemas, mas inquestionavelmente o pais com menos desigualdade social das Américas e também com maior desenvolvimento social.
Venezuela é por excelência uma liderança, uma nova esperança na utopia socialista. Líder do continente contra o imperialismo, o governo de Chavez, sustentado pelos círculos bolivarianos é o país onde a contradição do sistema capitalista se manifesta de forma acentuada. Durante décadas, a riqueza oriunda do petróleo sempre foi “dividida” entre a elite anti-nacional. Liderado pelo Cel. Paraquedista Hugo Chavez Frias, o povo venezuelano, marcadamente a população mais pobre, ou seja, os trabalhadores caminham para o socialismo, não é um caminho para amanhã e com certezas, mas um caminho a ser feito e o está. A nacionalização da riqueza, do petróleo é a resposta mais forte que poderia ser dada ao neoliberalismo. Venezuela está à frente nesse processo, mas tem na sua “rabeira” um outro governo, novo, recém eleito, o governo do Movimiento Al Socialismo, o MAS, de Evo Morales, Na Bolívia.
Por determinação de mais de 92% da população boliviana, por ordem da constituição daquele país, Morales deu mais um golpe no imperislimo, nacionalizou os recursos naturais do país e deu início à “Revolución Agrária”. Eleito por uma massa de indígenas, por movimentos de bairros, por centrais sindicais, o MAS é o partido que emergiu do movimento social, assume o poder e tem na massa sua força, pois dela vem seu poder. A Bolívia tem um caminho de avanços pela frente, de desafios, mas com um contexto favorável, com uma massa mobilizada, disposta a lutar, se for preciso, para ver as mudanças necessárias.
Argentina é um exemplo de como o neoliberalismo foi cruel com o continente. Até mesmo o país “mais desenvolvido”, com traços “europeus” teve grandes mobilizações promovidas pelos “piqueteros”, há o desenvolvimento da mobilização de massas na Argentina, Nestor Krischiner, tem feito uma política de enfrentamento ao Fundo Monetário Internacional – FMI, mesmo sem o apoio necessário do Brasil, o presidente argentino tem feito um embate ao capitalismo internacional na economia Argentina, um exemplo é a retomada por parte do estado dos serviços de água e saneamento na região de Buenos Aires.
No Peru, Humala não venceu a majoritária, mas a coalizão de partidos e movimentos ganhou força, aumentou sua participação no parlamento e a base se fortaleceu no processo de mobilização eleitoral, não é uma derrota para as forças progressistas da América Latina, mas uma etapa da luta, que não é linear, mas dialética. Indígenas fazem marchas, bloqueiam estradas em protestos contra o Tratado de Livre Comércio com os EUA, há uma mobilização social em desenvolvimento, logicamente que não encontrará apoio no estado, mas isso amplia o foco de leitura da prática revolucionária, pois faz da luta, uma luta não pelo estado, mas contra o estado.
Na Colômbia, a ultra-direita de Uribe se manteve no poder através do “terror de estado”, baixa presença na votação, ameaça de bombas em regiões onde Uribe perderia, dessa forma. Mas não há como negar que a presença da luta armada há mais de quatro décadas das Forças Armadas revolucionárias da Colômbia – FARC é uma realidade e que a guerrilha tem grandes vitórias, como o fato de controlar cerca de 40% do território do pais, impondo sua forma de governo, suas leis e seu sistema de produção, melhorando a vida de milhares de camponeses e trabalhadores urbanos.
Para não ser extenso por demasiado, nem poderia subir mais a América, nem aprofundar a parte sul do continente. Fica aqui uma leitura superficial do processo que marca o continente americano. Há um momento em que a luta não é uma opção consciente, pode ser mesmo inconsciente, num primeiro momento, mas é determinada por uma condição material, irresistível.
A precarização da vida, a exploração do trabalho e a concentração da riqueza são como “incentivadores” para a luta revolucionária contra a ordem. O que é a ordem? É a manutenção do status quo, a permanência das relações de dominação. Em todo o continente há uma luta contra essa ordem, há avanços em todas as regiões, não há como negar. Por isso há uma histeria por parte da burguesia, expressa nos seus meios de comunicação e fabricação de ideologias. O avanço do imperialismo cria as condições objetivas para a organização da classe proletária resistir e avançar sobre o “calcanhar de Aquiles” do capitalismo, sua natureza exploradora, concentradora e excludente. Na Venezuela, na Bolívia, na Colômbia, no Brasil, são os trabalhadores que estão fazendo roda da história girar. O inimigo dos povos está claro para os movimentos e isso dá a organicidade necessária para o avanço das lutas antiimperialistas.
            As condições estão dadas, resta aos movimentos sociais do continente, aos governos progressistas e aos partidos realmente marxistas se engajarem na luta continental, cada qual com suas peculiaridades, mas com um horizonte de novas possibilidades para o povo latino-americano, de integração como sonhou um dia Simon Bolívar, ou José Martí, ou Che Guevara. A marcha caminha, forte, determinada, o capital, não recua, faz enfrentamento, mas perde espaço. Marx dizia: a burguesia cria, acima de tudo, os seus próprios coveiros”. Isso não é uma “pré-visão mística”, mas uma leitura materialista sobre as relações de produção capitalista. A história somos nós!